quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

SENHORES DE TERRAS E DE ESCRAVOS


 


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 

O presente trabalho resulta de extensa pesquisa, que teve inicio em 2006, na Universidade de Caxias do Sul, sobre a presença africana da serra gaucha, tendo se desdobrado sobre a presença africana nos Campos. Muitos dados foram levantados e mais de mil fichas foram elaboradas sobre os escravos nos Campos de Cima da Serra.

Os campos do alto do planalto Meridional hoje estão recortados em vários municípios. No século XVIII eram reconhecidas apenas duas regiões: A Vacaria dos Pinhais  e a dos Campos de Cima da Serra.Mas por muito tempo,até o final do século XIX,  as duas regiões  estiveram unidas    religiosa e  administrativamente.Apesar das diferenças municipais os Campos  são um só espaço geográfico que perpassam inclusive os limites estaduais, ao qual pertence também os campos de Lages.

Muitos senhores dos campos tinham propriedades em ambos estados e em vários municípios. Como é o caso de  Pedro da Silva Chaves cujas propriedades se estendiam de São Marcos até Lages . Os campos assim são mais antigos e mais importantes que as divisões municipais.

A presente comunicação se refere à presença africana nos campos que está ligada de forma indissoluvelmente aos senhores de terras, aquém estavam ligados por laços de pertença.

O texto  trata da escravidão e dos senhores de escravos nos últimos cem anos da escravidão nos Campos de Cima e da Vacaria, se divide em três partes: o povoamento dos campos, A escravidão no Brasil e campos e a escravidão .

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TRAÇOS DO POVOAMENTO




 

Grandes riquezas, grande escravidão. Sêneca

 

Os campos do Planalto como um todo passam a receber nomes no século XVII.  Os campos do planalto ganham seu primeiro nome, vacheria de lós pinãles (apresentado em minúsculas mesmo).Hoje  a palavra vacaria em português tem duplo sentido: curral de vacas no ou seja   lugar cercado   para criar vacas ou  ainda conjunto de vacas.  Já em latim só tinha um sentido: lugar próprio para criar vacas, como a língua usada pelos jesuítas era latim é provável que na época  significasse lugar próprio para  a criação de vacas.

No começo do século XVIII eram os apenas os  campos sem nomes,  sem cercas, sem marcas  nem fronteiras. Sem moradores fixos.  Nos documentos do século XVIII para circunscrever a imensidão dos campos  receberam outras denominações ,   Campos de Cima da Serra ,para distingui-los dos campos  da Campanha e dos da Vacaria.     Os gaúchos  chamavam  a região do Planalto de Cima da Serra, ou  do Alto da Serra     a  e essa região setentrional,que “inscreve-se no semicírculo que descrevem os rio Pelotas- Uruguai e cujo diâmetro é traçado pela Serra Geral” (ROCHE,1969,p.41) Hoje corresponde ao território dos atuais municípios de Vacaria, Bom Jesus, São Francisco de Paula, Jaquirana, e São José dos Ausentes e Caxias do Sul.     

 

Testemunhos do século XVIII dão conta de que a região dos campos do Planalto Rio-grandense era despovoada até o final do século XVII.  Segundo Cesar (2005, p. 232) era uma terra de ninguém. Na realidade os campos eram pouco povoados. Ainda que não tivesse  proprietários a terra tinha dono,  pertencia ao Reino de  Espanha. O domínio espanhol do Sul do Brasil era um mundo de caminhos, pelos quais andavam índios, bandeirantes, tropeiros  e jesuítas em sua transumância, transportando  gado, escravos e índios missioneiros. Os jesuítas possuíam inclusive um sistema de guarda, representado pelos  posteiros. A palavra que hoje significa empregado de estância que mora  em seus  campos , cuja obrigação é   zelar pelas cercas e gado  da propriedade,significava então  sentinelas ou guardas ficavam em pontos estratégicos,  já que não havia cercas. A existência de posteiros  pode explicar a ocupação e  o marco encontrado em na Praça  de Vacaria (?) , datado de 1692. (RIBEIRO, 2009, p.105).

Os “Campos de Cima” foram povoados tardiamente em relação ao Brasil, ao que tudo indica a partir de 1737, mas ao mesmo tempo em que o restante da  Capitania del Rey.Os traçados dos municípios não interferem na ocupação das terras. Muitos dos sesmeiros possuíam terras em vários dos atuais municípios.

Ao que tudo indica os primeiros traços de homens brancos, foi a busca dpor caminhos. Caminhos que seguiam duas direções: uma Leste-Oeste , das  Missões às vacarias dos Pinhais e outra de Sul a Norte, Sacramento ao Passo da Vitória  e à São Paulo.

Os viajantes, os predadores e os invasores seguem as mesmas rotas.. Segundo Roger Bastide “a civilização do sul é a civilização do cavalo”, que identifica o  gaúcho. Mas muito antes do cavalo foi o gado que tornou o Rio Grande parte do Brasil. Foi o gado que tornou o Sul hispânico em território de Portugal. O uso do cavalo foi uma consequência da criação do gado Foi o gado que deu o inicio de uma nova era. Foi o gado missioneiro dos jesuítas espanhóis que tornou possível o Rio Grande o Sul se tornar parte do Império Lusitano O cavalo veio depois. As bandeiras movidas pela força humana desde o século XVII,passavam pelos campos  perseguindo e escravizando os nativos da terra. As bandeiras traçaram os primeiros caminhos e destroçaram as populações primitivas preservadas (bem ou mal) nas Missões. Caminhos que serviram aos colonizadores portugueses vindos do Rio Grande e aos invasores espanhóis provenientes do Prata. Os caminhos que cortaram o Sul passam pelos Campos.

 

 Pelos campos, de tempos em tempos, passavam os índios em busca de pinhão ou de caça. As terras então não tinham donos nem nome. Os nativos, assinalados no  mapa de 1751  como ibiraiáras eram  Kaikangs

 

que pertencem ao grande tronco linguístico Jê e aparecem na documentação e na bibliografia com as denominações de Ibiraiáras, Caáguas, Guananáses, Coroado, Guayaná, Bugre, Gualacho, Botocudo, Xokleng, Bate, Chova, Pinaré, Cabelludo, Kaigua, Kaaguá, Aweikoma, entre outros (LAROQUE, 2000)

 

Segundo  Schmitz; Becker, (apud LAROQUE ,2011) os    Kaikangs

 

  (..)foram os prováveis responsáveis pela cultura  material denominada de Tradição Arqueológica Taquara e teriam  ocupado territórios de planalto, conhecidos como “buracos de bugre”. Os Kaingang dedicavam-se também à caça, à pesca,à pequena horticultura e, principalmente, à coleta do pinhão(SCHMITZ; BECKER, 1991).

 

 

Segundo Laroque (2011)  os Kaikangs mantiveram sua cultura original apesar do contato com os bandeirantes no século XVIII. As fazendas de luso-brasileiros ocupavam os campos, enquanto as matas eram povoadas pelos nativos. Até 1850 não se mantiveram tranquilo, sendo  comuns as chamadas correrias  ,invadindo tanto as fazendas como as colônias como Passo Fundo, Vacaria e  Cruz Alta.

Aos poucos e muito lentamente os campos começaram a ser povoados.No mapa, feito em 1747  e publicado em 16 de dezembro de 1751 para a instalação do senado da vila de São Pedro do Rio Grande da  capitania  de  São Paulo , o Rio Grande do Sul recebe o  nome Continente de Viamão ou Del Rey. Nesse mapa já está presente a Capela de Nossa Senhora da Oliveira de Vacaria. Só no século XVIII foram concedidas as primeiras sesmarias ,segundo Borges Fortes (1940,p.40) e até 1733 apenas três haviam sido doadas. Já nos Campos as primeiras  sesmarias doadas por Gomes Freire, datam de 1752,que “Concedeu sesmarias a antigos e novos ocupantes de rincões de Viamão Cima da Serra ,no vale dos rio dos Sinos ,no rio das Antas e nos campos  de Vacaria  dos Pinhais  para precede-los a terra e facilitar a  abertura de caminhos”.( CESAR, p.76)

Poucos anos depois foram doadas outras sesmarias  na região:Santo Antônio para  Francisco Carvalho da Silva ( 1754) Fazenda dos Touros  para Bartolomeu Silveira de Cordovil (1755);para Josep Soares do Lago ( 1755); e a São José>Segundo Oliveira

Em 1766 “já estavam  alicerçadas 52 sedes,com  uma população de 292 pessoas, a saber:1.Cima da Serra 18 fazendas e 133 pessoas;2.Vacaria 18 fazendas e 77 pessoas3.Lages 16 fazendas e 82 pessoas( OLIVEIRA ,2004 p.271)

 

Segundo a "Relação do Número de Pessoas que há no Distrito de Cima da Serra, Vacaria e Lages, em 1766"  Conselheiro Mafra  Processo Judicial da questão de limites com o Estado do  Paraná (MARCOLINI, Internet).Havia então 17 proprietários .

 

 DISTRITO DE CIMA DA SERRA, VACARIA E LAGES, EM 1766

Nos Campos de Cima da Serra: Total de 133 pessoas

1.        José Correia (na saída do mato, com 4 pessoas)

2.        Antônio José Moreira (com 5 pessoas)

3.        Francisco Ferreira de São Paio (com 2 pessoas)

4.        Capitão Pedro da Silva Chaves (com 35 pessoas) outra fazenda com 5

pessoas

5.        Antônio Gonçalves dos Reis (com 9 pessoas)

6.        Antônio de Freitas Branco (com 10 pessoas)

7.        Antônio Correia Pinto (com 4 pessoas)

8.        Francisco de Almeida (com 4 pessoas)

9.        Inácio de Sousa Correia (com 3 pessoas)

10.     Francisco Manoel da Costa e Sousa (com 4 pessoas)

11.     Maria da Silva Pinheiro (viúva, com 10 pessoas)

12.     José Alvares da Silva (com 3 pessoas)

13.     Francisco Alvares de Aguiar (com 8 pessoas)

14.     Manoel de Barros Pereira (com 3 pessoas)

15.     Francisco Alvares Xavier (com 7 pessoas)

16.     Pedro Gonçalves ( com 3 pessoas)

17.     Proprietários desconhecidos da Fazenda "Estância Grande " (com 12 pessoas)

Fonte :Histórico da Cidade de São Joaquim, Maria Batista Marcolini)

 

Nas 17 propriedade viviam  133 pessoas, listadas como habitantes dos Campos, das quais  116 eram familiares, escravos ou agregados .Não há como saber quantos eram  escravos das propriedades ,mas de qualquer forma em média viviam sete pessoas por propriedade.

Oliveira,no mesmo período levanta dez fazendas pelas quais passavam o caminho das tropas: Fazenda da Cria de Francisco Pinto Bandeira ;Fazenda do Pereira ;Fazenda São João de Pedro da Silva Chaves; Estância Grande de Cristóvão Pereira de Abreu;Santa Bárbara ( ou Menino Diabo) de  Manoel de  Barros Pereira;Fazenda Boa Vista de Joaquim José de Canto Melo; Santa Cruz de Apolinário de Almeida Roris;Ausentes  e  do Pascoal de Antônio da Costa Ribeiro;Fazenda dos Touros  de Bartolomeu Siqueira Cordovil.

As propriedades mudavam de mãos,muitas foram às terras ocupadas e logo abandonadas. Mais tarde, algumas delas, foram  arrematadas em juízo.  Em 1774, o Capitão Antonio da Costa Ribeiro, comprou terras.  Após o seu  falecimento, não tendo herdeiros, os campos foram arrematados na Praça de Ausentes, pelo Padre Bernardo Lopes da Silva e pelo  tenente José Pereira da Silva. Em 1789, algumas dessas glebas, foram arrematadas por Antônio Manoel Velho que as denominou de  Fazenda de  Santo Antônio dos Ausentes. Em 1785 já havia quarenta e cinco proprietários nos Campos.

PROPRIEDADES DOS CAMPOS DE CIMA DA SERRA – 1785

 

Proprietário
fazenda
 
Proprietário
fazenda
 
Luis Antônio de Almeida
Um campo de1//2 légua  por meia légua
Antônio Francisco de Oliveira
 Três quartos por meia légua ¾
José Alves
Campos despovoados
Antônio Gonçalves Padilha
Três  fazendas
Santa Bárbara 4X2
Monte Agudo3X1
Despovoada 2X1
Miguel Antunes
Duas por duas  1/2léguas
Bernardo José Pereira
Campos despovoados
Salvador Bonete da Anunciação
1  ½ por duas léguas
Manoel Francisco Pires
Cambará ¼ de por uma 1 légua dote doado pelo
Sogro Antônio Gonçalves Padilha
Cel. Rafael Pinto Bandeira
Campo despovoado
André Nunes Porto
Duas por uma légua
José de Campos Bradenburg
Socorro três por 1 e ½  lLáguas
Antônio da Costa Ribeiro
Ausentes cinco léguas por oito 
São Gonçalo duas léguas por1/2
Antônio Borges
Duas por uma  légua
Ignácio Leite Ribeiro
Uma légua por meia  campo
Antero José Ferreira de Brito
Alguns campos
Julio da Costa Ribeiro
três léguas por duas  campoE4 Fazenda
Antônio de Freitas Branco Alf.
Sem título SP
Três léguas por uma
Luiz Antônio da Rocha
Duas léguas por uma
Joaquim da Silva Chaves
São João  duas léguas por duas e meia 
Manoel Rodrigues de Jesus
Dote de Bradenburg
Uma légua por 1/2 légua 1 1/2 fazenda genro
 Cap. Pedro da Silva Chaves
Faxinal duas léguas por duas e meia 
Apolinário de Almeida Roriz
Santa Cruz
Da cria
Três léguas por uma confirmada em 1754
Ignácio  Araújo de Sá
 Uma légua por meia légua Comprado de  Ignácio Leite Ribeiro
São João 1752 sesmaria
João Pereira dos Santos
Uma légua por meia légua 1X1/2
Cerrito Três léguas por uma
João da Costa Varela
1/2 légua por 1/4de  légua doação de Pedro da Silva chaves(São Francisco)
Cedro Três léguas por uma
João Teles Xavier
Duas léguas por uma compra
Campo duas léguas por uma e  meia 
Bonifácio João da Silveira
½ légua por um1/4 de légu
Campo duas léguas por uma
Francisco Rodrigues Soares
 ¼  de légua por1/4   compra
Cipriano Costa Menezes
Campos despovoados
José Carneiro Geraldes
Campos despovoados
Antonia Corrêa
São Marcos 1 1/2/ por um  1/4/ de légua
Manoel Muniz Pinto de Gusmão
duas léguas por uma
Inácio de Sousa Corrêa
Pouso Alto uma légua e meia por uma 
Ignácio Vitorino de Oliveira
Três léguas por uma
  .1772
José de Arruda Falcão
Duas léguas por 1/2
Mato da Serra
Antônio Francisco Lisboa
Raposo duas léguas por uma morador de Sorocaba
João Batista Feijó
Estância Grande três léguas por uma Sesmaria 1766
Antônio Lopes
Nossa Sra da Luz
Uma légua por meia légua  1 X 1
Felipe de Oliveira Fogaça
Duas léguas por uma em títulos
Ignácio Alves Machado
 2 fazendas Santa Bárbara duas léguas por ¾
Capão Alto
Uma  comprou
Manoel Fonseca Paes
Uma fazenda
Teresa Machado
Meia légua por um quarto ½ X1/4
Antônio José de Freitas
São Tomé Duas léguas por meia
Ignácio Pedroso de Moraes
 Duas e ½ por uma légua 2
 
 
João da Costa Moreira
Campos despovoados

Fonte: OLIVEIRA, Sebastião Fonseca Introdução do gado e fixação do homem na sesmaria serrana.. .p 308.

 

Assim além dos 45 proprietários e  suas famílias deveria haver  nos Campos pelo menos 495 escravos,  enquanto as terras das sesmarias já tinham mais   de 810 km .² De uma forma geral é possível afirmar que entre 1737 até 1780 o número de escravos  aumentou em termos percentuais nas lavouras do Sul, representando   até cerca de 50% do total da  população regional.

A localização das propriedades permite concluir que não havia limites em  suas terras,muitas ocupavam espaços maiores do que o dos  municípios atuais . Cada fazenda tonha  em média tinha 11 escravos. Tal dado pode ser conferido tanto pelos registros de batismos como pelos inventários, que conferem com os levantamentos de Cruxen ( 2011).

 Entre 1780 a 1822 um houve um aumento da população branca e livre maior do que a população escrava, os seus  percentuais baixam para cerca de 30% do total. De 1822 a 1888 o percentual baixou para cerca de 20% do total da população, a baixa  percentual está  ligada á entrada de maciça da imigrantes europeus e à venda de escravos para outras províncias , bem como a crise na fabricação do charque  que não  conseguiu competir com o charque platino.

OS ESCRAVOS NOS CAMPOS 

Um povo é o rodeio da natureza. Nietzsche

 

        A entrada de escravos no antigo Continente de São Pedro se dá ao mesmo tempo em que os lusos, No ciclo de apresamento aos índios os negros escravos acompanhavam os bandeirantes, realizando o transporte da carga pesada Com os paulistas no norte do Continente de São Pedro vieram os  escravos,  mão de obra importante para o transporte de mercadorias  trabalho da pecuária e  agricultura nas  estâncias

    Nos campos de Cima da Serra os escravos chegaram a partir de 1737, muitos anos depois da ocupação do litoral brasileiro nos primórdios do século XVI. Os registros paroquiais de Vacaria designam como Campos de “Sima da Serra”(sic)  a  lugares  distantes da freguesia da Nossa Senhora de Oliveira  de  Vacaria, como por exemplo, o da   capela  São Francisco de Paula,Ausentes ou Passo da Guarda. A freguesia criada em 1761, possui registros de  batismos de escravos desde o  último quartel do século XVIII .Antes dessa data os registros eram   realizados em Santo Antônio da Patrulha. Sendo uma freguesia de grande extensão, alguns registros de  batizados  eram feitos anos depois do nascimento outros nem  eram realizados.Assim também os registros de batismos apresentam dados  incompletos.

     A vida diária dos escravos nas fazendas e nas estâncias sul rio-grandenses  aparentemente  não era tão pesada , quanto  à das  plantações de cana de açúcar, onde o trabalho era exaustivo indo de sol a sol. Nos campos o trabalho de cultivo do milho e das hortas e o transporte de gado, mulas e mercadorias  e de transporte ao que tudo  exigia    o mesmo esforço que nas lavouras do nordeste .

              Saint Hilaire em sua passagem pelas estâncias gaúchas revela a variedade de produtos que nelas existiam na segunda década do século XIX  na produção das quais os escravos eram ocupados,  que iam desde a fruticultura à cozinha. Enfim  eram inúmeras  as atividades realizadas pelos escravos, já que  os brancos ricos e proprietários de terras não faziam  trabalhos braçais. Como observa Laytano antes da abolição da escravatura nas fazendas gaúchas  os escravos eram ocupados na plantação e nos serviços domésticos

Entre 1750 e 1790, nos campos de Cima da Serra lindeiros  a região  da serra havia cerca de 24 propriedades de senhores de escravos, entre eles: Ângelo  Correia de Morais , Manoel de Barros  Pereira, Antônio Velho e Inácio Leite Entre os fazendeiros  dos Campos de   Cima podem ser citados : Ignácio de Souza Correia, dono da Fazenda Souza; Francisco José de Oliveira Raposo, dono da Fazenda do Raposo; André Nunes Porto, sua fazenda ia  de Vila Seca à São Marcos; Apolinário de Almeida Roriz (ou Rodrigues),dono da fazenda do Faxinal e a  de Santa Cruz; Antônio Gonçalves dos Reis ,capitão das milícias,  dono da fazenda dos Ausentes ;Ignácio Alves Machado ,dono da fazendas Santa Bárbara entre outras.( ALVES 2007,p.16)

O dono da fazenda Santa Bárbara era Ignácio Alves Machado, Vigário de Vacaria de 1789 a 1797, mais tarde voltou à sua propriedade em São Francisco de Paula, onde possuía escravos, que foram batizados por ele ou por outros párocos,como exemplo ,como se lê nos   registros que seguem

   Aos nove     dias  de setembro   de  1788  batizei   e pus os santos óleos a Simão , filho legitimo de José e Tomasia ; foram padrinhos Antônio e Catarina escravos do reverendo Ignácio  . Para constar fiz o assento. Vigário Francisco dos Santos .

 

   Aos 15 dias de Agosto   de  1797 nesta capela de São Francisco de Paula da  freguesia   da Vacaria  com licença do senhor  vigário     batizei   e pus os santos óleos a Paulino  , inocente filho legitimo d e Antônio e  Mariana  escravos do Padre,Ignácio;f oram padrinhos Domenico e Maria também escravos daquela casa. para constar fiz o assento  . P. Ignácio   Alves  Machado.

 

.Através dos registros de escravos batizados em São Francisco de Paula entre 1789 e 1881, constatou-se que houve 334 batizados.  As mães dos batizando eram escravas do mesmo proprietário que o do seu filho, o  que significa que havia no mínimo 668 escravos no período, nas fazendas de São Francisco. Os registros revelam que ainda que as crianças escravas, em geral filhos naturais, correspondendo  à  cerca de 15% do total  dos escravos .Constatou-se que era igual o número de meninos e de meninas batizados.  Os padrinhos constantes nos registros em sua a maioria eram brancos livres (71,77 %); seguidos pelos escravos (22,35% ) sendo  pouco  os forros  (5,88% )  Em geral padrinhos e escravos pertenciam aos mesmo dono. No total dos Campos no século XIX  foram batizadas 1184 crianças,levando em conta  mãe e alguns pais o número de se eleva há 2604 escravos no mesmo período. O número de proprietários que possuía mais de um escravo batizado era de 46, sendo possível calcular que  o número de escravos por fazenda era  cerca de onze escravos.

 Entre os muitos registros de batizados   da paróquia de Nossa Senhora da Oliveira de Vacaria analisados houve apenas um caso de libertação pelo batismo  

Registro 28 - Aos  17 dias do mês de  Outubro  de 1790 nesta capela d e São Francisco de Paula de Cima da Serra  filial da igreja  Matriz de Nossa Senhora de Oliveira de Vacaria ,batizei dei os santos óleos  a João , inocente filho natural de Felisberta escrava do dos herdeiros do falecido  Antônio Gonçalves Padilha  foram padrinhos Antônio Manoel Velho  e sua mulher Anna Gonçalves Oliveira, declarando o dito padrinho tutor do dito órfão e por faculdade do juiz de órfãos, dava por forro por ter recebido do pai do dito para responder pela referida quantia.  Todos moradores e fregueses dessa freguesia, para constar fiz evento só por mim assinado Vigário Ignácio Alves Machado.

 

  Há apenas um  registro de  escrava  dada como fugida ,por ocasião do  batizado do  filho. 

Registro 30-  Aos 12  dias do mês de  Outubro  de 1791 nesta capela d e São Francisco de Paula de Cima da Serra  filial da igreja matriz  de Nossa Senhora de Oliveira de Vacaria ,batizei dei os santos óleos  a Ignácia ,filha de Júlia e de pai incógnito escravas de Francisco da Costa  Velho morador da capela grande Viamão  foram padrinhos Ignácio Leite  e Anna da Silva , sua  mulher , não declarou o nascimento por nascer  de mãe fugida, todos moradores e fregueses dessa freguesia, para constar fiz evento só por mim assinado Vigário Ignácio Nunes Machado.

 

As escravas podiam casar com homens livres, houve mais de um registro desse tipo de união

Registro 32- Aos 10   dias do mês de  Junho   de 1791 nesta capela d e São Francisco de Paula de Cima da Serra  filial da igreja matriz  de Nossa Senhora de Oliveira de Vacaria ,batizei dei os santos óleos  a inocente  Catarina  legitima filha de Luis Bras,forro   e de Mariana escrava de Ignácio ,nascida a 4 do mês do dito ano; foram padrinhos José escravo do alferes Antônio de Freitas Branco e Catharina escrava do vigário  todos moradores e fregueses dessa freguesia, para constar fiz evento só por mim assinado Vigário Ignácio Alves Machado.

 

Não foram encontrados no século XVIII  casos  de escravos casados com forras ou livres. .Tal fato merece reparo,pois, ao que tudo índica, só os homens tinham então  direitos de casamentos  em condições sociais desiguais.

 Em relação à cor os escravos em sua maioria  não eram registrados como negros a grande maioria era de mulatos e de pardos

COR DOS ESCRAVOS  CARTAS DE ALFORRIA 1844-1884

Cor
número
%
cabra
4
0,51
clara
1
0,12
preto
198
25,71
preta
166
21,55
Mulata
178
23,11
Mulato
13
1,68
pardo
127
16,49
Parda
73
9,48
pardinha
4
0,51
Negros
2
0,25
Negras
4
0,51
Total com cor
770
54,57
Sem cor
641
45,42
Total
1411
 

       Cartas de alforria dos Campos de Cima da SAerra

 

A análise do registro da cor dos escravos revela dados interessantes. Em primeiro lugar, se constata que a palavra negro era pouco usada. Os escravos de pele mais escura eram chamados de pretos o mesmo ocorrendo com as escravas. Alguns mestiços eram chamados de cabras, (filho de mulato e negra ou vice-versa.) ,as mulheres  mestiças em geral, eram  designadas mulatas. O uso da palavra mulata revela o desprezo com o qual as mulheres eram tratadas, já que a palavra significa  o resultado da cruza entre cavalo e jumenta ou jumento e égua. A palavra era aplicada“ de forma pejorativa  para os filhos mestiços das escravas que coabitaram com os  senhores brancos e deles tiveram filhos.” (Dicionário ,internet ) Os pretos e as pretas correspondiam a 364( 47% do total). Já os mestiços correspondiam  403 ( 52,72%) .O que atesta a  mestiçagem entre brancos e pretos.O mesmo acontece na região dos Campos onde o percentual de mestiços era ainda maior,como pode ser acompanhado nos registro dos batismos

COR DOS BATIZANDOS SÃO FRANCISCO DE PAULA

1870-1887

Cor
%
Branca
1
0,01
cabra
3
1,5
Fula
9
4,5
Negro
15
7,5
Mulata
16
8
Parda
119
59,5
Preto
37
18,5
Total
200
 

Livros de batismo de São Francisco de Paula

Observa-se que em São Francisco eram usadas menos denominação de  cores do que nas cartas de alforria ,  dos 716 batismos realizados entre 1870 e 1887 apenas 200 traziam a cor da criança.Desses 200 cerca de 60 % eram mestiços e 40% eram pretos.Atestando grande miscigenação entre brancos e pretos bem maior do que aquele dos alforriados.

Pouco se conhece sobre a origem dos escravos entrados no Rio Grande do Sul e nos Campos. Nos atestados de batismo pouco aparece a origem materna ou paterna dos escravos ,sendo os dados insuficientes para uma analise. Entre os alforriados a situação é outr., das 1411 fichas levantadas foi possível constatar que apenas 629(44,57%) traziam a procedência, enquanto de 55,43% não constava a origem .

ORIGEM DOS ESCRAVOS ALFORRIADOS  NO RS.

 Origem
Procedência
%
Africa
Nagô
4
1,93
 
Moçambique
5
2,41
Africanos
58 
28,01
Angola
1
0,48
Benguela
14
6,76
Cabinda
20
9,66
Cassange
3
0,96
Costa
29
14,00
Calabar
1 
0,48
Mina
17
8,21
Nação
37
17,87
Fula
1
0,48
Congo
17
17,87
Total  parcial
 
207
33,00
Brasil
Crioulo
35
8,31
Bahia
3
0,71
Minas Gerais
3
0,71
São Leopoldo
4
1,93
Pernambuco
2
0,47
Porto Alegre
10
2,37
Alegrete
4
1,93
Demais províncias
180
42,75
RS
180
42,75
Total parcial
 
 421 
67.00
Total geral
 
628
 

 

Dosescravos registrados, 628 eram provenientes da Africa 207 (33%) e 421 nascidos no Brasil (67%).

Quanto ao número de escravos entrados no Rio Grande do Sul ,a  estimativa  varia       de autor a autor. Somados aos escravos existentes é possível que seu número tenha sido maior de 100 mil no período considerado. A situação muda após 1870 quando a  exportação gaúcha de escravos se torna a maior e a tendência  é de redução  no número de escravos. Para poder entender a escravidão nos campos é necessário conhecer a situação da escravidão no Brasil,especialmente nos seus últimos cem anos (1788-1888).

 

Enquanto os campos ainda estavam sendo   povoados o Brasil passava por forte modificações na  sua política de mão-de-obra

 

OS ANOS FINAIS DA ESCRAVIDÃO

 

Os últimos anos da escravidão no Brasil e no Rio Grande podem ser acompanhados pelos relatórios do Ministério de Agricultura e Comércio e Obras públicas. Houve por parte do Ministério um cuidado especial após a promulgação da Lei do Ventre Livre (1872),para que a Lei e seu  Regulamento fossem  cumpridos. As manumissões (libertações e alforrias ) deveriam seguir normas e trâmites determinadas por elas, havia sido criado  um fundo  para  a compra da liberdade de escravos. Tais medidas legais faziam parte da política do Império da redução progressiva da escravidão

O Regulamento nº 5135, de 13 de novembro de 1872, previa a criação do fundo de emancipação, que era composto (artigo nº 23) da taxa de escravos; dos impostos sobre transmissão da propriedade de escravos; do produto de seis loterias anuais; das multas impostas sobre o não cumprimento da Lei , entre outros. O governo distribuiria as cotas para cada província na proporção de sua população escrava, assim os dados se tornavam indispensáveis para a boa utilização das citadas cotas.

 Em seu artigo nº 75, o Regulamento previa a liberdade dos escravos pertencentes á Nação, os escravos das heranças vagas e os abandonados pelos  senhores,e os dados em usufruto à nação (sic).As cartas de alforria serão a certidão de sentença extraída pelos escrivães e rubricadas pelos juízes (art.77) O processo de alforria seriam sumários, sendo suficiente uma petição para a remissão,sendo isentas de despesas sejam elas gratuitas ou onerosas.

   Em cada província foi realizado um serviço de matrícula, sendo verificado que em 1° de dezembro de 1871 existiam no império 1.410.668 escravos, nesse cálculo faltaram 49 municípios. O Fundo tinha ainda uma reserva de 287:500 $188 para os municípios cujo número de escravos era desconhecido. (Relatório de 1875, p 44).
 As províncias com maior número de escravos receberiam maiores cotas.

Em 1875, os maiores plantéis de escravos eram os de Minas Gerais com 298.496; Rio de Janeiro com 278 212; Bahia com 165.403: São Paulo com 154.861. O Rio Grande do Sul possuía então 77.633, o que correspondia a 7,16% do total do Império, sua cota para a alforria era  de 160.322$106, era 2/3 menor do que a de Minas Gerais, cuja  cota era de 573.915$0

 Os dados computados após 1872 trazem informações sobre o número de escravos matriculados, de ingênuos (filhos de escravos nascidos livres) entre outros.É  possível concluir que os ingênuos representavam  cerca de 10% do total dos escravos do Brasil.Em relação às províncias, Minas Gerais que   possuía  o  maior número de escravos matriculados ,os libertos menores correspondia a 9,66% do total dessa população. No Rio Grande do Sul havia 11.167 ingênuos, o que correspondia a 14,73% do total da população. No Rio Grande o Sul havia maior número de crianças nascidas de escravos do que de outras províncias.( Relatório , 1875, p.35)O elevado  número de crianças atesta um possível estímulo à procriação e a ausência de abortos. È possível que na Província gaucha houvesse criatórios. Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na quarta sessão da Décima quinta legislatura Rio de Janeiro: Americana  1875 ,p.35.

Como resultado da Lei do Ventre Livre houve uma imediata redução de 155861 escravos o que representa 10,97% do total .Na verdade os filhos livres de mulheres escravas continuariam sob a tutela ( e no trabalho escravos) de seus senhores até completarem 21 anos. Os nascidos “livres” em 1872 deveriam permanecer escravos até 1891. Os nascidos em 1880 seriam livres apenas em 1901. E assim por diante. Podendo ser prolongada a escravidão até a morte da última escrava a parir.

O resultado da compra das cotas do Fundo de emancipação foi pouco expressivo. Em 1875 foram libertos 63744 escravos, ou seja, cerca de 5% do total de escravos matriculados (Relatório,1979, p. 35) .De qualquer modo em menos de cinco anos  reduziu-se em torno de 15% o número oficial  de escravos no Brasil

O número de alforrias provenientes de particulares ou de associações foram pouco expressivos atingindo o número de 21704.a províncias que mais alforriaram foram :São Paulo, Rio de Janeiro, Município da Corte,Rio Grande do Sul e Minas Gerais.(Relatório, 1876, p. 35) Em 1875  em São Pedro do Suul (assim o Rio Grande é chamado)foram beneficiados 27 municípios com 207 libertos Já no Brasil as cotas do Fundo beneficiaram  496 municípios de 20 províncias com 4383 escravos libertos. .( p.35)

Até 31 de dezembro de 1875 foram expedidas um total de 21704 cartas de alforria, o que corresponde a 1,52% do total de escravos então existentes. A concessão de cartas de alforria foram maiores em São Paulo, Rio de Janeiro, município da  Corte, no Município Neutro,Rio Grande do Sul e Minas Gerais

       A Lei  nº 3.270 de 28 de setembro de 1885 ou Lei dos sexagenários,  regulada pelo decreto 9517 de 14 de novembro de 1885 .Previa a em seu artigo II que os escravos ao completarem 60 anos deveriam ser libertos de forma imediata,sem maiores formalidades. Em seu parágrafo 5  previa que "não serão dados á matricula os escravos de 60 annos de idade em diante; serão, porém, inscritos em arrolamento especial para os fins dos parágrafos  10 a 12 do art. 3º.""9 (idem p.95) Definia  ainda o preço dos escravos ,que em seu artigo  § 3º  que  se refere ao art. 1º será declarado pelo senhor do escravo, não excedendo o máximo regulado pela idade do matriculando.A Lei previa o preço para fins de alforria através do Fundo ou através das alforrias por compra.

       A tabela de preços era a que segue 

         PREÇOS DE ESCRAVOS PREVISTO

PELO REGULAMENTO 9517

Valor dos escravos
por idade
Em reis
Menos de 30 anos
900$000
De 30 a 40 anos
800$000
40 a 50
600$000
50ª55
400$000
55 a 60
200$000

Relatório, p. 1886, p.

       O valor das escravas não seguia a mesma tabela deveria ser calculado de acordo com o artigo 4º que rezava " O valor dos indivíduos do sexo feminino se regulará do mesmo modo, fazendo-se, porém, o abatimento de 25% sobre os preços previstos para a mesma categoria dos escravos.Assim as mulheres escravas valiam 25 % menos que os escravos

Em 1886 o Relatório do ministro Antônio da Silva Prado, informa que até 30 de junho de 1885" a população escrava era de 1.133.228 indivíduos ,menos  107.578 que o ano anterior"(idem p.103).Segundo os dados oficiais das matriculas a redução da população escrava foi 9,49% em um ano. De acordo com os mesmos dados, em 1873 haveria 1.505.273 escravos  ,enquanto em 1886 , ou seja, 13 anos depois ,o número de escravos  seria de 1.133.228,apresentando  uma redução de 7,52%. Já o número de sexagenários libertos pela Lei seria de 98.554, o que corresponde a 8,69% do total.

       O número de escravos existentes no Brasil a partir das medidas tomadas pela legislação que previa a redução progressiva do número de escravos, teve efeito sobre a população escravizada que a partir da Lei do ventre Livre passou a ter uma redução do número de escravos de pouco mais de 10% ao ano. Se a Lei áurea não tivesse sido votada  a extinção dos escravos levaria ainda cerca de 7 anos. Mas com as leis houve uma prorrogação da escravidão através do aproveitamento dos ingênuos,que não havia sido concluída em 1888.

      O Rio Grande do Sul no último quartel de século  da vigência da escravidão ,estava passando por profundas modificações  em sua população. A partir de 1824 com a entrada dos imigrantes alemães, e a partir de 1875 com a grande imigração subvencionada ,o número percentual da população branca  dobrou.

 O primeiro Censo da Província, realizado em 1803 constatou “uma população de 36721 habitantes  sem incluir crianças com menos de 12 meses,as tropas de linha e uns 4000 peões sem residência fixa,que andavam de um saladeiro a outro.”  populosas eram Rio Grande 8390: Porto Alegre com 3927 , Triunfo com   3037 e Cachoeira com  3.379 habitantes .Eram pouco mais  pequenas vilas do que cidades,situadas em geral nas margens  dos rios .(MULLHALL,1984,p.37)

A população escrava por sua vez tende a se reduzir como passar do tempo. No Rio Grande o Sul em 1780 a população escrava representava 28,5 do total ,já em1870 baixara para 22,2%.

POPULAÇÃO DA PROVINCIA EM 1814

                POPULAÇÃO
NÚMERO
%
Branca
32300
48,23
Preta
20611
30,78
India
8655
12,92
Negros Livres
5399
8,07
Total
66965
 

                   Fonte: Mulhall, Michael p. 37

 

        De acordo com  Saint Hilaire( 1970, p37) a  população da então Província após a Independência  do Brasil  já era de  cerca de  180.000 habitantes.  A partir de 1824 foi  acrescida dos 7491 alemães imigrantes que foram assentados no vale do rio dos Sinos e no litoral. A partir de  1824 em São Leopoldo  e em 1826, no litoral de  Torres em  :São Pedro e Três Forquilhas .

       Em 1862 a população era de 400 mil habitantes  ,destes 315306 ( 80,29%) eram brancos e 77.419 ( 19,71%) pretos escravos,segundo Mullhall(1894,p.38). Em 1870 Macedo(1873,p.316) informa que  a população era de 360 mil  habitantes  dos quais 80 mil eram escravos.

Em 1872, quando foi  reiniciado o movimento imigratório, a população da província era  então   de 446.926 habitantes, dos quais 41.406 estrangeiros. Conforme é possível constatar os dados são  controversos . Outros ainda são os dados oficiais sobre escravos em 1875 os escravos matriculados eram   77.633(Relatório ,1875 p.43)

     Em 1878 segundo o Relatório(1880, p.94) havia 81 169 escravos .Entre 1875 e 1888 entraram 43 .685 imigrantes ,na sua maioria italianos.Entre 1875  e 1914 entraram no Rio Grande do Sul cerca de  76.168 imigrantes italianos,dos quais  cerca de 70% do total entraram entre 1875 e 1894.O ano que  o o Rio Grande recebeu mais colonos foi  o de  1891, quando entraram mais de 9 mil colonos.

     Os  imigrantes entrados no Rio Grande do Sul não foram encaminhados para o trabalho das fazendas ou das charqueadas ,mas estabelecidos em lotes coloniais, de colônias criadas para que nelas se instalasse o trabalho livre. Não havendo assim a substituição da mão de obra escrava pela livre, pois as duas coincidiram no tempo ,mas ocuparam outros espaços,já que nas colônias era proibido o uso de escravos.  Os espaços comuns foram as cidades. Quando  após a sua chegada muitos imigrantes foram para as cidades,puderam vivenciar tanto escravos como a escravidão.

Enquanto chegavam os imigrantes alguns escravos foram sendo libertados por ação do Fundo de Libertação. Em 1878 foram libertos 217 escravos; em 1882  642; em 1883  851  e em 1884 ,1135.

 

NÚMERO DE ESCRAVOS NO RS 1871-1888

              Ano
Escravos
1871
69366
1878
81169
1883
98378
1884
100549
1885
99401
1887
27242
1888
8363

                  Fonte: Relátorios do Ministério da

 

Segundo os mesmos relatórios o número de escravos alforriados no R S foi de 338 em 1878 e de 2138 em 1884. Nos municípios do planalto houve pouquíssimas alforrias  e tardias. Apenas em 1884,quatro ocorreram em  Vacaria e 3 em São Francisco de Cima da Serra,Bom Jesus não houve  alforrias registradas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 Nos últimos anos do século XIX, entre 1872 e 1888, quando a escravidão se aproximava do final a situação nos Campos de Cima da Serra ,(incluindo Vacaria  e São Francisco ) era a mesma do restante do Brasil. Foram contabilizados  em 1863  356 senhores dos campos, cujas propriedades variavam de ½ légua a 12 léguas em quadro,apesar da fragmentação devida as heranças eram propriedades apreciáveis,onde eram criados centenas de milhares cabeças de gado,onde havia uma gricultura de subsistência  e alguma produção que era vendida em outras rgiões ,especialmente de pelegos e queijos.   

          Nas últimas décadas da escravidão, entre 1872 e 1888, pareciam ter mudado as relações entre senhores e escravos. Ao que tudo indica havia  mais liberdade para o  casamento e aceitação de casamentos entre livres e escravos. Havia então um aumento considerável de mestiços, aos poucos os pretos se tornavam cada vez mais brancos, revelando o aumento (?) da miscigenação.  Após 1872 se torna obrigatório o registro das crianças nascidas de mães escravas que se tornam livres. Livros de batismos da Igreja ganham o aval do governo, para garantir os novos registros. antes a  sua  atividade cartorial de nascimentos e mortes, não era controlada.

 

Este livro há de servir para assentamentos dos nascimentos dos filhos da mulher escrava, recorridos desde a data da Lei n° 2.040 de 28 de setembro do corrente ano. Vai numerado e por mim unicamente rubricado com o appelido – (ilegivel) de que uso em virtude da autorização que me foi concedida por S. Exc. Artur Conselheiro Presidente da Província em portaria desta data, tenho no fim o termo de encerramento. Secretaria do Governo em Porto Alegre 17 de novembro de 1871. O oficial maior. José (ilegivel) Castro.

 

Nos registros de batismo e de casamentos é possível encontrar exemplos   da nova situação social

 

.        2/12/1876 Noivo: Sisinando, pardo, escravo do Dr. Felisberto Baptista de Almeida..Noiva: Maria, branca, escrava da senhora Joaquina do Livramento Varela.Todos desta freguesia.Testemunhas: Bento Soares de Oliveira e José Soares de Moura. Padre Facundo Fernandes

 

              

No registro de casamentos não havia tal controle. Em casamento realizado em 1876 , noiva Maria é branca e  escrava e seu noivo,  é pardo, pertencem a donos diversos. Isso só se tornou possível após a Lei do Ventre Livre ,pois provavelmente o filho do casal ficaria como dependente e servidor do dono de sua mãe  .Outro casamento registra  em 1880 ,a primeira escrava com sobrenome nos registros consultados .Trata-se de Maria Francisca de Moraes que tem o sobrenome de seu dono.

 

  12/08/1880 Noivo: Francisco José Alexandre, 24 anos, nascido, batizado e morador nesta vila, filho natural de Manoel Alexandre e Maria de Jesus. .Noiva: Maria Francisca de Moraes com 30 anos, nascida, batizada e moradora nesta Villa, filha natural de Juliana escrava de Moises Pedroso de Moraes, que deu seu consentimento para sua escrava casar. Testemunhas: João Baptista de Jucena e Veríssima da Costa Leite, ambos desta vila. O Vigário Antonio Mônaco.

 

 

Trata-se do casamento de um homem livre com uma escrava, mas tal união recebeu  o consentimento dos eu proprietário .Em 1884 outro casemtno curioso visto que a noiva de 52 anos tem oito filhos ,mas apenas uma Catarina nasceu após a lei nº 2040

 

.          19/02/1884 Noivo: Serafim Soares de Oliva, solteiro, 50 anos, Africano, lavrador. Escravo de Felisberto Soares do Amaral. Noiva: Theodora Soares do Amaral, solteira, 52 anos, natural desta província. Escrava de Manoel Soares de Oliva, já tem oito filhos, sete escravos que são: Vitória, Rita, Catharina, Alexandre, Silvano, Pio, Pedro. Catharina é forra por Lei. Testemunhas: Bonifácio José Damasceno e Manoel José Teixeira .Vigário Antonio Monaco

 

O casamento entre mulheres escravas e homens livres era usual, o mesmo não acontecia com o inverso, porém, em  1882 há um registro de  noiva   livre e de noivo  escravo.

08/10/1882 Noivo: João Thomaz da Silva, 54 anos, nascido em Santo Antonio da Patrulha, filho natural da falecida Thomazia, escravo do senhor Boaventura B...(?) Noiva: Rosa Pedroso Barbosa, 30 anos, filha legítima de Francisco Manoel Pedroso e da finada Bermiria Barbosa. Testemunhas: José Correia de Mattos e Manoel Nunes Ferreira, ambos maior de idade e que  residem nesta paróquia. Vigário Antonio Mônaco

 

O final da escravidão nos Campos ocorreu em 1887 e não em 1884 como em geral se afirma, sobre a liberdade dos escravos no RS. Havoa um quantidade grande de escravos registrados,nos batismo entre 1872 e 1887 foram registrados  1430 crianças livres filhas de mães escravas. Computados os outros escravos constantes desses registros o número de escravos nas propriedades se eleva a  2724º que significa que havia 8 escravos em média por propriedade ,menor do que aquele existente no inicio do  século XIX.

 

 

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MINISTÉRIO DOS NEGOCIOS DA AGRICULTURA ,COMMERCIO E OBRAS PÚBLICAS. Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Segunda Sessão da décima sexta   legislatura .Ministro Thomaz José Coelho de Almeida. João Lins Vieira  Cansansão de Sinimbu. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional ,1878

MINISTÉRIO DOS NEGOCIOS DA AGRICULTURA ,COMMERCIO E OBRAS PÚBLICAS Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Segunda Sessão da décima sétima  legislatura .Ministro João Lins Vieira  Cansansão de Sinimbu. Rio de Janeiro: Imprensa Industrial 1879

MINISTÉRIO DOS NEGOCIOS DA AGRICULTURA ,COMMERCIO E OBRAS PÚBLICA Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Terceira Sessão da Décima sétima  legislatura Rio de Janeiro:Tip Nacional  1880 Ministro Manoel Buarque de Macedo

 

MINISTÉRIO DOS NEGOCIOS DA AGRICULTURA ,COMMERCIO E OBRAS PÚBLICA Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Terceira Sessão da Décima oitava   legislatura Rio de Janeiro:Tip Nacional  1882 .Ministro Jose´Antonio Saraiva.

 

MINISTÉRIO DOS NEGOCIOS DA AGRICULTURA ,COMMERCIO E OBRAS PÚBLICA Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Terceira Sessão da Décima oitava   legislatura Rio de Janeiro:Tip Nacional  1883 .Ministro Henrique D'Avila

 

MINISTÉRIO DOS NEGOCIOS DA AGRICULTURA ,COMMERCIO E OBRAS PÚBLICAS. Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Primeira   Sessão da Décima Nona    legislatura Rio de Janeiro:Tip Nacional  1885.Ministro João Ferreira de Moura

 

 

MINISTÉRIO DOS NEGOCIOS DA AGRICULTURA ,COMMERCIO E OBRAS PÚBLICAS. Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Quarta  Sessão da Décima Oitava   legislatura Rio de Janeiro:Tip Nacional  1885Ministro Affonso A. M.Penna

 

MINISTÉRIO DOS NEGOCIOS DA AGRICULTURA ,COMMERCIO E OBRAS PÚBLICAS elatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Primeira  Sessão Vigésima     legislatura Rio de Janeiro:Tip Nacional  1886  Ministro Antônio da Silva Prado

 

 

 

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