domingo, 25 de maio de 2014

GRANDE CAMPO: MUITOS POVOS


Um campo, por mais fértil que seja,
sem cultivo não pode ser produtivo.
Cícero















Esta comunicação tem como objetivo analisar o processo de formação histórica dos Campos de Cima da Serra, em especial os da Vacaria do Pinhal, de onde deriva a história de Ipê. Para compreender a história do seu povoamento, antes é preciso entender os primórdios da ocupação dos campos.
 É o resultado de uma pesquisa que teve início em 2007, sobre a presença africana na serra na região da Serra, e na do planalto de Vacaria, em 2011.
Os campos do Planalto Meridional foram ocupados em três etapas: a primeira pelo criatório dos jesuítas no século XVII e pela entrada dos bandeirantes, dois lados de uma mesma história; a segunda, quando ocorre a fixação dos lusos e dos paulistas (a chamada invasão), no século XVIII, e, por fim, a  terceira etapa, no século XIX, com a chegada  dos imigrantes alemães e italianos, vindos das antigas  colônias imperiais da encosta da Serra, e que, a seguir, se espalharam no Planalto em busca de terras e  matos para suas serrarias. Em todas está presente o africano, escravo ou livre, levando em seus braços a economia regional.
            Essas sucessivas etapas da ocupação dos campos não se deram por ordem imperial. Os campos não foram povoados de cima para baixo, por meio de empreendimentos oficiais, como ocorreu nas colônias das encostas do Planalto, no Nordeste gaúcho. Sua ocupação se fez aos poucos, de forma espontânea.  Foi o campo que chamou seus povoadores, com suas planuras, seus campos e suas florestas de araucárias. Lugar perfeito para a criação de gado, o campo foi mais do que um cenário, foi lugar de atração e de sustento de várias culturas. Nele ocorreu a criação de gado (mulas, bois, cavalos e ovelhas), a lavoura, a policultura e a indústria extrativista da madeira, movida pela mão de obra escrava e pela livre, familiar. Enfim, é onde melhor se deu a síntese das culturas, tendo como principal elemento o campo, objeto de toda uma história, cuja beleza foi (e é) cantada por colonizadores, viajantes, religiosos e colonos.
Sob o ponto de vista administrativo o município de Ipê esteve ligado desde o inicio de seu povoamento a Vacaria. Como parte de fazendas e, mais tarde, como 4º Distrito, recebeu o nome de São Luís de França em 1890 (Ato Municipal nº 696, de 31 de dezembro de 1890). Manteve esse nome até 1933, acrescido de Colônia de São Luís de França. Em 1939, passou a Distrito de Ipê, assim permanecendo até 1987. Emancipou-se de Vacaria, guardando o nome de Ipê, pela Lei Estadual n.º 8.482, de 15 de dezembro de 1987. O novo município foi instalado em primeiro 01 de janeiro de 1989. Com um território de 475 km, era composto por três distritos: Ipê, Vila São Paulo e Vila Segredo, todos desmembrados do município de Vacaria.


LUGAR DE PASSAGEM E POUSO
Os deuses fizeram o campo
 mais esplendidamente e melhor que tudo.
Desde tempos imemoriais os nativos que viviam no planalto meridional brasileiro faziam dos pinhais lugar de parada outonal, onde os pinhões ofereciam comida garantida e a caça, atraída pelo abundante alimento. Da mesma forma que os indígenas, os lusos fizeram do território do atual município de Ipê local de pouso e de passagem de tropeiros. Após a criação do município de São Sebastião (1875), o caminho que ligava a Serra do rio das Antas ao vale do rio Caí tornou-se mais movimentado, com a vinda de imigrantes italianos, que logo se tornaram consumidores dos produtos vindo do campo. Fazendeiros dos campos de Vacaria passaram ocupar as terras, nas quais os escravos plantavam milho e se abrigavam em choupanas.
Não há certeza sobre fatos e aspectos da primitiva ocupação dos campos do Planalto. Talvez alguns deles nunca sejam esclarecidos, por falta de testemunhos ou de documentação, pois, as passagens dos nativos e a dos jesuítas espanhóis, como a chegada dos fazendeiros lusos, não exigiam registros cartoriais, nem documentação.
Em relação aos povos primitivos que povoaram os campos faltam estudos e registros arqueológicos precisos. Ao que tudo indica, sua chegada data de 12 mil anos ao Planalto Meridional (sujeita a revisões). Em relação aos indígenas, faziam parte de três grandes grupos: os minuanos, os guaranis, e, mais tarde, os gês. Esses últimos chegados há cerca de 2.200 anos. Os gês foram destruídos pelos bandeirantes, bem como pelo convívio com os fazendeiros, pelos quais foram aproveitados nos serviços do campo. Muitos são os relatos de viajantes sobre sua presença nas fazendas gaúchas. Seu extermínio se deu de forma diversa, tanto pela miscigenação, como pela perda de sua cultura. Nos campos serranos é reconhecida pelas famílias a origem índia da algumas de suas avós.  O extenso trabalho genealógico de Luiz Antônio Alves comprova essa miscigenação, seguida de sua assimilação pelos brancos. (ALVES, 2003 )
O povoamento do Rio Grande do Sul ocorre em três frentes: no Leste com os jesuítas espanhóis, no Sul com os militares lusos e a fundação do forte Jesus Maria José e no Norte pelo avanço dos paulistas. São essas frentes que estabelecem também o povoamento dos campos de Vacaria, síntese da história sul rio-grandense. Foi lugar de passagem e de pouso dos primeiros e principal caminho das Missões em direção a São Paulo, e, mais tarde, do caminho do gado sulino para a feira de Sorocaba. 
Um dos vestígios da passagem (ou posse?) da região dos campos pelos missionários da Companhia de Jesus é o marco de pedra polida, cuja origem não foi identificada. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o marco “[...] no qual se encontra a sugestiva data de 1622, o qual, segundo Taunay e P. Geraldo Pawels, representa o mais antigo monumento do Rio Grande do Sul”.
Figura 1: Marco encontrado na Praça central de Vacaria com a data de 1692 e os símbolos usados pelos jesuítas.  Foto da autora, em 2012.

            Há um equivoco na página do IBGE sobre a data inscrita no marco de arenito, que na verdade é 1692. Tal data, ainda assim, faria de Vacaria a mais antiga região povoada no Rio Grande do Sul, sendo pouco posterior à da fundação da Colônia do Sacramento (1680) e que se encontra em território do Uruguai. É possível supor que a chegada dos jesuítas com o gado seja anterior à data do marco.  Este deve ter sido feito e trazido após a chegada do gado. Ainda que a data do marco seja 1692 e que a ocupação jesuítica seja sua contemporânea, continua sendo uma das mais antigas marcas da presença europeia no Continente de São Pedro. Tal fato desloca a primazia do povoamento do Continente de São Pedro para os jesuítas espanhóis, em detrimento da dos paulistas, já que dificilmente poderia haver ocupação dos campos pelos paulistas se aí não houvesse o gado missioneiro.
  Se o povoamento dos campos do Planalto se deu de Leste para Oeste, e não do Sul nem do Norte, torna-se importante relembrar alguns fatos da passagem dos Jesuítas pelo Planalto Meridional Sul do Brasil. 

  Em 1627, os jesuítas fundaram as primeiras missões na margem direita do rio Uruguai, nas regiões despovoadas do império espanhol na América. Em 1641, essas foram destruídas pelos bandeirantes. Em 1682, começam a ser fundados os Sete Povos das Missões, na margem esquerda do Uruguai. Foi assim que aos poucos os campos do Planalto começam a ser percorridos, neles tendo sido deixado tanto o gado como o marco, que data de cinco anos após a fundação dos Sete Povos. A cartografia jesuítica, por outro lado, revela que o conhecimento e a ocupação da Vacaria dos Pinhais (Baqueria de Los Pinares, para os espanhóis) data de 1667. O que significa que a expansão missioneira se deu muito além dos Sete Povos e muito antes da data em geral aceita.
O povoamento oficial e a ocupação efetiva do Sul pelos portugueses se dá com a fundação do presídio de Jesus, Maria, José, em1727, no Rio Grande. Ou seja, quarenta anos após a ocupação jesuítica dos Sete Povos. A guarnição militar, além de seu efetivo, era servida por 80 escravos. Vários índios foram atraídos para o Forte, e passaram a viver ao seu redor.
Testemunhos do século XVIII dão conta de que a região dos campos do Planalto Rio-grandense era despovoada até o final do século XVII. Cesar (2005, p. 232) afirma que era uma terra de ninguém. A terra poderia ser pouco povoada, mas não era despovoada. Por outro lado, já tinha dono, visto que pertencia à Espanha. Ao contrário, o domínio espanhol do Sul do Brasil era terra de muitos passantes: índios em suas andanças; bandeirantes em suas razias: de tropeiros com as tropas de mulas e de gado bovino; jesuítas em sua transumância, transportando seu gado, escravos e índios missioneiros. Os jesuítas possuíam inclusive um sistema de guarda em pontos estratégicos, o que pode explicar o marco. Suas sesmarias eram coletivas, as estâncias com 10 mil cabeças de gado eram cuidadas no máximo por 10 pessoas, os posteiros, que cuidavam dos quatro pontos que limitavam a criação. (RIBEIRO, 2009, p.105)
Após 1682, as novas sesmarias jesuíticas tinham objetivos diferentes das antigas, essas voltadas para a produção da carne e aquelas voltadas para a comercialização do couro. A carne era usada apenas para o consumo.
 A data de 1697 em geral é aceita como a da primeira leva de gado trazida das Missões para os Campos. Não se devem confundir registros com a ocupação. A ocupação das terras por posse não requer documentos, nem registros. A propriedade, ao contrário da posse, requer documentação e registro.
 Para Oliveira, em 1705 o gado foi trazido do Uruguai, do grande rodeio de Cebolatti, “[...] gado que serviu para povoar as Vacarias dos Pinhais que estavam em formação. Calcula-se que 80.000 rezes foram soltas em 1712 espalhando-se nos dois lados do rio Pelotas [...] ” (OLIVEIRA , 1995, p. 219) .
De resto, as estâncias jesuíticas, onde a criação de gado vacum e cavalar conferiu expressão econômica relevante ao oeste rio-grandense, se espalharam muito além do território missioneiro, ao Sul até as proximidades da lagoa dos Patos e subindo para o Norte até a Vacaria dos Pinhais; entestavam com as Vacarias do Mar, estas últimas já na órbita do litoral atlântico. (CESAR, 2005, p. 232)

Ao mesmo tempo em que iam sendo ocupados os Campos de Cima da Serra, as estâncias jesuíticas se expandiam nas Missões. Lopes Neto descreve: “Nessas dilatadas e ferazes campanhas pastavam não menos de 500.000 animais, bovinos, cavalares e muares da mais correta estampa e aproveitáveis qualidades. (LOPES NETO, 1998, p. 120). Cesar observa que:
 Em realidade, a Vacaria nordestina dos Gaúchos parece não ter ultrapassado, em quantidade de reses produzidas, a espantosa abundância das Vacarias do Mar. Nem contribuiu, nas mesmas proporções desta, para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, pelo muito que esse criatório uruguaio fomentou a indústria de charque na zona do Rio São Gonçalo. (CESAR, 2005, p. 23)

Essa afirmação centrada nas vacarias do mar é mais política do que histórica, pois o número das duas vacarias não pode ser comprovado. No século XVIII, as estatísticas sobre o gado não são confiáveis. O que se pode afirmar é que o gado era abundante nas vacarias do pinhal, já que foram elas que atraíram os paulistas. Seja pela abundância de gado, seja pela sua proximidade de São Paulo, a entrada dos povoadores paulistas se dá por  Vacaria, e não pelo Uruguai.
De resto, as estâncias jesuíticas, onde a criação de gado vacum e cavalar conferiu expressão econômica relevante ao oeste rio-grandense, se espalharam muito além do território missioneiro, ao Sul até as proximidades da lagoa dos Patos e subindo para o Norte até a Vacaria dos Pinhais; entestavam com as Vacarias do Mar, estas últimas já na órbita do litoral atlântico. (CESAR, 2005, p. 232)

O que significa que a expansão missioneira dos Sete Povos se deu em direção às duas vacarias. Ambas ligadas à criação de gado, sendo difícil distinguir qual era maior ou mais importante. O certo que a Vacaria dos Pinhais ficava no caminho para Sorocaba. O seu gado logo atraiu predadores, não só bandeirantes paulistas, como também os acioneiros da margem direita do Uruguai, autorizados ou não pelos governos de Buenos Aires. (VELHINHO, 2005, p. 77). Os campos e o gado aparentemente ilimitados davam origem a seus próprios predadores e ocupantes, ou seja, os paulistas, os castelhanos e os índios.
E havia muito gado:

Mais de 80.000 rezes a fazerem sombras nestas paragens da Vacaria dos Pinhais, nos Campos de Cima da serra, apartadas da tropa maior de 400.000, que os 1.000 tropeiros índios conduziram no ano de 1705 do rodeio da Bacia do Prata, numa viagem de 1300 km, até as estâncias missioneiras.  Falta o autor da citação. Coloquei em recuo, pois é longa.


O gado ali deixado deveria se reproduzir sem a participação direta da mão de obra humana. Foi a forma encontrada pelos jesuítas para salvar os rebanhos que nas Missões eram constantemente atacados pelos gaudérios (vagabundos, errantes e andarilhos) e pelas bandeiras:

A fim de salvar de suas reservas o que fosse possível, os jesuítas conseguiram levar 80.000 cabeças para o planalto serrano, estabelecendo assim a chamada Vacaria dos Pinhais. Aconteceu, porém, que a esse tempo, princípios do século XVIII, já os luso-brasileiros vinham descendo pelo litoral rio-grandense e  fixando-se nos campos de Viamão e proximidades. Em seguida estariam galgando o planalto e trazendo gado Na Vacaria que aos padres espanhóis parecera inabordável.” ( VELHINHO, 2005,  p.77)


Na medida em que crescia o gado, crescia também a população, e com ela aumentava a procura por novas terras. Avé-Lallemant no Rio Grande do Sul informa sobre “[...] as célebres possessões dos jesuítas, que, no conjunto, contavam 100 léguas de comprimento por 40 léguas de largura”. E que o chamado “[...] império jesuítico foi se formando despercebidamente, no ano de 1631 compreendia 20 povoações, cem anos depois 32 missões com mais de 100.000 almas.” (AVÉ-LALLEMANT, 1980, p. 278) Deve-se acrescentar que o crescimento se deu apesar das bandeiras e da caça aos índios pelos paulistas.
Por outro lado, fica difícil calcular o número de reses que compunham o rebanho dos vastos campos serranos. Mas é possível inferir que se seu crescimento foi de 50% em 10 anos. Ao que tudo indica, em 1705 havia 80 mil cabeças, em 1715 seu número seria de 130 mil cabeças.
Figura 2: As fazendas surgidas ao longo do caminho do gado no século XVIII.
 Fonte: WEIMER, 1995, p. 239.

No Censo de 1786, Inácio Osório Vieira anota que as estâncias da região viviam sob a ameaça permanente das incursões de índios selvagens moradores das florestas vizinhas e dos bandeirantes. Não há menção de sesmarias no planalto, pois os rebanhos dos jesuítas não precisavam desse tipo de concessão.
  Em 1752, quando os campos foram ocupados pelos lusos, o rebanho deveria passar de 500 mil cabeças. A providência dos jesuítas de transferir o gado para o planalto foi tardia, já que esse não era tão inacessível quanto lhes parecia. E de há muito os paulistas por ele passavam, traçando novos caminhos.
 Na medida em que aumentavam as estâncias, aumentava o número de escravos. Esse fato se evidencia tanto nos inventários como nos registros de propriedades. O aumento do número de escravos reflete-se também no número de batizados O caminho de Sorocaba as Missões deixa de ter tanta importância após a expulsão dos jesuítas (1759), com o gritante declínio da população e economia missioneira.
Tudo muda em 1759. Com do Alvará Régio de 28 de junho, o Marquês de Pombal termina com o poder dos jesuítas, fechando suas escolas em Portugal e nas suas colônias. Criou aulas régias ou avulsas de Latim, Grego, Filosofia e Retórica, que deveriam suprir as disciplinas antes oferecidas nos extintos colégios jesuítas. (SECO; AMARAL, Internet, s/d)
Com a expulsão dos jesuítas as Missões perdem o poder econômico. A estrada que ligava à Vacaria não deixa de ser trilhada, mas, seus passantes são outros e menor o seu número. O fim das Missões atrasa o povoamento da região dos Campos, que é prejudicado ainda pelos ataques de índios, o último dos quais se deu em 1798, e pela invasão espanhola.
O povoamento de Vacaria, e, portanto, o de Ipê, foi o resultado da luta de muitos: índios, brancos e africanos de muitas pátrias, livres e escravos, ricos e miseráveis, que contribuíram para a ocupação e construção da civilização sul rio-grandense, e não apenas de um grupo restrito de brancos. Ao que tudo indica, sua ocupação está ligada mais à subsistência do que aos interesses políticos. Em síntese, foi a sociedade civil, mais do que o Estado, a influenciar no povoamento  da região.



OS DONOS DA TERRA

 Somos frutos da paisagem em que vivemos;
ela dita nosso comportamento e até nossos pensamentos,
na medida em que reagimos a ela.
Laurence Durrel

 Em 1713 foi aberta a picada que cortava os matos castelhano e português, pelos índios das Missões. Após essa abertura, torna-se o caminho comum das tropas, entre 1727 e 1759, que, saídas das Missões, iam rumo ao Sudeste. (IBGE). Nesse período, o Continente de São Pedro era pouco povoado. Segundo Borges Fortes:
Até 1733 só havia três ou quatro sesmarias concedidas pelo governo da Capitania ao Sul de Laguna. 1ª Jerônimo de Castro (doada pelo governador Antonio Caldeira da Silva Pimentel). 2ª Manoel Gonçalves Ribeiro, nas Conchas (Tramandaí). 3ª Francisco Vicente Ferreira (Itapoã) (BORGES FORTES, 1940, p. 40)


 Foi o gado alçado (no sentido de fugido para lugares ermos; abagualado) que atraiu os bandeirantes. A bandeira de Raposo Tavares (1638-1651) passou por Vacaria e São Francisco vinda de Barretos. Já, a de Caaçapá Guaçu (1639), à frente da qual estava Fernão Dias Pais, devastou o “[...] altiplano de Vacaria e de Cima da Serra antes de se dirigir ao oeste do Jacuí”. (BORGES FORTES, 1940, p. 64-67) Cesar observa que as bandeiras paulistas foram fundamentais para enfraquecer “[...] as reduções, libertar gado e índios. Elas começavam a apropriar-se do tesouro vivo que eram os rebanhos rústicos das Vacarias.” (CESAR, 2002, p. 80).

Em 1752, Gomes Freire manda expedições para:
[...] inspecionar o Guaíba subindo o Jacuí. Na ocasião, concedeu sesmarias a antigos e novos ocupantes de rincões de Viamão de Cima da Serra no vale do rio dos Sinos, no rio das Antas e nos campos de Vacaria dos Pinhais para precedê-los a terra e facilitar a abertura de caminhos” (CESAR, 2002, p.76).  


Nesse mesmo ano, foi por ele concedida a sesmaria São João ao Capitão Pedro da Silva Chaves. Em 1754, o Capitão compra de Francisco Pinto Bandeira a sesmaria da Cria, que a fundara (CESAR, 2002, p. 283). Começa com a concessão das sesmarias o povoamento luso. Assim, em 1766:
 Já estavam alicerçadas 52 sedes, com uma população de 292 pessoas, a saber: 1. Cima da Serra 18 fazendas e 133 pessoas; 2. Vacaria 18 fazendas e 77 pessoas. 3Lages 16 fazendas e 82 pessoas (OLIVEIRA, 1995,  p. 271)




      Dez anos depois o número de habitantes havia crescido. Segundo processo judicial de 1776, eram 95 os habitantes dos Campos de Cima da Serra, listados pelo relator Conselheiro Mafra. Destes, 18 eram proprietários e 77 moradores das propriedades. Não consta do processo se esses moradores eram livres ou escravos. Os proprietários das sesmarias constam da Tabela 1, a seguir.





TABELA Nº 1
PROPRIETÁRIOS DE TERRAS EM VACARIA EM 1776
Proprietários
Moradores
Proprietário
Moradores
Antônio Pinto Ribeiro
3
Francisco Álvares de Aguiar
2
Antônio da Costa Ribeiro
6
José de Campos Bandemburg
15
Miguel Feliz de Oliveira
6
Antônio Borges Vieira
6
José da Silveira Bittencourt
6
Luiz Antônio da Rocha
3
Lourenço Roiz de Araújo
3
Júlio da Costa Ribeiro
2
João Ribeiro
6
Pedro de Barros
2
Leandro de Souza
4
Joaquim Antônio dos Santos
2
Claudio Ribeiro
2
João de Oliveira
2
Baltazar Gomes de Escovar
6
Lourenço da Rocha
1
      Fonte: PEREIRA, 2006, p.111.

A família Ribeiro era a mais numerosa, contava com cinco proprietários com seu nome, o que corresponde a 30% do total. Segundo o já referido processo, a propriedade mais populosa era a do Capitão Pedro da Silva Chaves, que contava com 40 moradores.
Francisco Carvalho da Cunha, ao que tudo indica, foi um dos primeiros moradores dos Campos da Vacaria. Consta que em 17 de maio de 1754 recebeu do Conde de Bobadella carta de sesmaria de 3 por 1 légua. Essas terras antes haviam sido ocupadas pelo Capitão Francisco Pereira Gomes, que cruzou o rio das Antas, povoando uma fazenda na chamada estrada dos tropeiros, a qual abandonaria pouco depois.
Conforme anota Inácio Osório Vieira, no censo de 1786, as estâncias da região viviam sob a ameaça permanente das incursões de índios selvagens, moradores das florestas vizinhas. Os campos de Vacaria não podiam ser mais cobiçados.
Por esse motivo algumas terras ocupadas foram abandonadas. Mais tarde, foram arrematadas em juízo por outros interessados. Em 1774, o Capitão Antonio da Costa Ribeiro comprou terras. Quando de seu  falecimento, não deixando herdeiros, os campos foram arrematados na Praça de Ausentes, pelo Padre Bernardo Lopes da Silva e pelo  tenente José Pereira da Silva. Em 1789, algumas dessas glebas, por sua vez, foram arrematadas por Antônio Manoel Velho, que as chamou de Fazenda Santo Antônio dos Ausentes.
O caminho do gado trilhado pelos tropeiros foi sendo ocupado pelos primeiros povoadores da região, os quais se tornaram grandes posseiros.  O caminho partia das Missões e em direção Norte seguia para São Paulo, passando pelas vacarias do pinhal.
 Ornellas precisa que a “invasão paulista” se deu “[...] após 1729 quando Souza e Faria descobriu a riqueza dos campos e do gado avisando o governo paulista” (ORNELLAS, 1948, p. 51). Data daí o interesse maior dos paulistas pelo Planalto Meridional, o que levou à multiplicação das sesmarias.
Chegou ao auge a febre pela posse de estâncias no interior. As sesmarias concedidas multiplicavam-se assombrosa e desordenadamente. Em breve todos os habitantes quiseram ser estancieiros. A capitania foi retalhada em propriedades extensas. A lei das sesmarias, que mandava conceder apenas três léguas de campo foi iludida, violada e desprezada pelos sesmeiros e pelos governadores, que faziam concessões largas e arbitrárias (ORNELLAS, 1948, p. 207).

Aos poucos “[...] as estâncias que se alastraram ao longo do caminho das tropas, valorizando as terras, engendrando a economia, atraindo novos povoadores para a imensidade dos campos. Começavam a apropriar-se do tesouro vivo que eram os rebanhos rústicos da Vacaria”. (BORGES FORTES, 1940, p. 146)
Em 1768, Vacaria foi reconhecida como povoado, quando a capela existente no local foi elevada à freguesia, com a nomeação de um pároco. A primeira capela havia sido erguida sete anos antes, sendo inaugurada em dezembro de 1761. O primeiro 1º pároco foi João Ferreira Roriz. O lugar onde foi erguida a capela fazia parte da sesmaria de Manoel Rodrigues de Jesus. Muitos anos mais tarde, em 1847, uma de suas herdeiras, Inácia Rodrigues Vieira, doou a Nossa Senhora da Oliveira a área de terras onde hoje se situa a cidade de Vacaria (COSTA, 1996, p. 95).
Em 1773, mais uma vez a região foi ameaçada pela invasão espanhola, o que levou muitos posseiros e sesmeiros a abandonarem suas terras. Em 1777, os espanhóis foram expulsos. O governo português em seguida manda realizar um recenseamento.
O Censo de 1780 foi realizado pelo engenheiro Antonio Inácio Rodrigues da Córdoba.  Foi feito um minucioso levantamento do Continente de São Pedro. Na Carta Geográfica, resultado do Censo, “[...] vêm representados os limites dos domínios de quatro províncias: Rio Grande, Viamão, Rio Pardo e Vacaria, ou Cima da Serra.” (BORGES FORTES, 1940, p.114) No Continente havia então apenas 13 freguesias, o que revela a importância de Vacaria, que já havia sido contemplada com uma delas. Graças ao Censo, é possível conhecer a situação da população regional.





TABELA Nº 2
POPULAÇÃO DAS FREGUESIAS DO RS - 1780

Freguesias
Brancos
Indios
Pretos
Ttotal
Madre de Deus
871
96
545
1512
Rio Grande
1643
182
596
2421
Estreito
880
97
277
1254
Mostradas
360
40
191
591
Viamão
1028
114
749
1891
Santo Antônio
628
91
270
1189
Conceição do Arroio
234
25
158
417
Aldeia dos Anjos
210
1890
255
2355
Vacaria
291 
32  
248
571
Triunfo
637
0,00
640
1277
Taquari
580
0,00
109
689
Santo Amaro
512
0,00
208
720
Rio Pardo
1317
438
619
2374
Cachoeira
42
383
237
652
Total
9. 433 - 52%
3.388  - 18,90%
5.102  -  28,46%
17.923
Fonte: LAYTANO, 1954, p. 9    
È possível constatar que, apesar das fugas dos portugueses ocasionadas pela invasão espanhola, houve um aumento considerável da população. Se alguns deixaram a região, muitos a buscaram. Em 1776 havia 77 habitantes registrados; já, em 1780 havia 571 habitantes. Desse total, 291 (50,96%) eram brancos, e  248 (43,43%)  eram negros e 32 (5,60%%) índios. A população escrava de Vacaria era percentualmente mais elevada do que a de Rio Grande, onde estavam localizadas as charqueadas, e onde representavam pouco mais de 20% do total da população.
A presença de nativos correspondendo a 18,90% do total da população na maioria das freguesias constitui dado importante.  Na Aldeia dos Anjos (atual Gravataí), a população indígena representava 80% da população. O Continente de São Pedro apresentava uma população de 17.923 habitantes. Os brancos correspondiam a 52 %, os índios a 18,93 % e os escravos a 28,23%. Na freguesia de Triunfo mais 50 % de seus habitantes eram escravos.
Nos Campos de Cima da Serra (sem a divisão dos atuais municípios) havia 52 fogos[1], pertencentes a 52 proprietários. O maior dos proprietários era então o Capitão Pedro da Silva Chaves, proprietário de fazendas que ocupavam uma área de treze por oito léguas. Sua propriedade ocupava 104 léguas em quadro, ou 42 quilômetros quadrados de terras privadas. Os fogos, em 1766 eram 18, o que significa que triplicaram em 1780.
Em 1780, essas propriedades ocupavam  uma área total de cerca de 70 léguas e meia de comprimento por 34 léguas de largura. As fazendas ocupavam 2.224 léguas em quadro, as sesmarias, ou seja, 800 mil hectares.
     Nas propriedades localizadas na região do Planalto eram criados em média três animais por hectare. Assim, as sesmarias poderiam ter um rebanho de até 328.000 cabeças. Em média, como cada propriedade tinha uma área de 18.940 hectares, podia comportar rebanho de 63.134 cabeças.  Era muita terra e muito gado. Os 52 proprietários tinham terra suficiente para plantar alimentos e alimentar mais de 10.000 famílias.
Cinco anos depois, em 1785, o número de fogos era de 59. Os fogos aumentaram em cerca de 10%, enquanto a população aumentou em 40%. O que significa que aumentou o número de escravos, bem mais do que o dos proprietários das terras.
Os dados dos Registros de Batismos da Paróquia de Nossa Senhora de Oliveira de Vacaria, no período compreendido entre 1786 e 1800, fornecem dados interessantes sobre a população regional:
TABELA Nº 3
PROPRIETÁRIOS DE ESCRAVOS VACARIA 1786-1800
Proprietários
Escravos
Proprietários
Escravos
Ana Joaquina Gonçalves
1
Francisco Antonio
1
Ana Maria. Dona
7
Ignácia Joaquina Andrade. Dona
1
Ana Padilha. Dona
1
Inácio de Souza Reis  
1
Ana Rodrigues de Attaide
1
Januário Correia de Almeida
1
Anastácio Gonçalves de Araújo Te
2
João Antonio Cardoso
2
Angelo Correia de Morais
12
João da Costa Varella Tentcor
13
Antonio Gonçalves de Araújo 
1
João Fagundes de Souza
2
Antonio Joaquim Córdova
4
João José de Barros
1
Antonio José de  Barros
1
João Rodrigues de Siqueira 
6
Antonio Manoel Gonçalves Vieira
2
João Soares
1
Antonio Manoel Velho
2
Joaquim José de Canto e Melo
1
Antonio Pereira Lara Capitão
1
Joaquina Maria
3
Antonio Telles de Souza
3
José Antonio dos Santos
6
Bernardo José Paim
1
José B. de Souza
1
Boaventura Soares de Barros
6
José J. de Barros
11
Catarina da Silva Pinheiro
3
José Joaquim
2
Clara Leite
1
José Machado
1
Constantino de Souza e Oliveira
2
José Pedroso de Morais
1
Domingos Manoel de Paula Alferes
1
José Ribeiro
1
Francisca Hermenegilda Maria dos SantAnjos
1
José Rodrigues
1
Francisco Borges do Amaral Vier
7
Manoel de Souza  Duarte
3
 Cap.Francisco M. de Paula e Silva
2


Total
61

57
Fonte: Livro de Batismos da Paróquia de Nossa Senhora das Oliveiras de Vacaria 1786-1800

Entre 1786 e 1800, foram 43 proprietários que levaram ao batismo 121 filhos de escravas, o que corresponde a três escravos, em média, para cada dono. Nem todos os senhores registraram o batismo de seus escravos em Vacaria, alguns mandaram batizá-los em outros lugares, ou simplesmente não os batizavam.
Em 1777, os espanhóis haviam sido expulsos dos campos de Vacaria. No ano seguinte o governo português organizou um Corpo de Cavalaria Auxiliar para a defesa da população e das terras do Império. Os militares da companhia foram fundamentais para o povoamento regional.

TABELA Nº 4
COMPANHIA DE CAVALARIA AUXILIAR
DO DISTRITO DE VACARIA - 1778
Posto
 Nome
local
idade
Capitão
Joaquim J. Pereira
São Paulo
54
Tenente
Apolinário de Almeida Roriz
Lisboa
39
Furriel
Cipriano da Costa Monteiro
Santos
36
Cabos
Felipe da Maia
Curitiba
30
João Roriz Betim
São Paulo
35
Manoel  Rodrigues de Jesus
Laguna
42
Julio da Costa Ribeiro
Taubaté
55
Soldados
Ignácio Manoel Leite
Parnaíba
31
José de Sá e Almeida
Curitiba
21
José da Ley
Curitiba
50
José Castro Pereira
Jundiaí
20
José Pereira da Silva
Parati
28
João de Oliveira
Curitiba
33
Alexandre Gomes
Paranaguá
40
Manoel Gonçalves Carvalhaes
Vila Rica
32
Salvador Alves da Cruza
Laguna
39
Leandro da Silva Soares
Braga
60
Ventura José Rezende
Porto
42
João Pereira dos Santos
Curitiba
36
João Rodrigues de Siqueira
Parnaíba
62
Baltazar Gomes de Escobar Godoy
 Parnaíba
56
Manoel de Cândia
Curitiba
18
José Alves da Silva
São Paulo
54
Joaquim Antonio de Oliveira
Sorocaba
30
Narciso de Moura
Laguna
16
Antonio Borges Vieira
Laguna
14
Ignácio Pais de Siqueira
São Paulo
38
Vitor Antonio de Arruda
Itu
25
Luiz Antonio Da Rocha
Braga
62
José Domingues
Braga
44
José Gracia de Vasconcelos
 Rio de Janeiro
22
José de Campos Badenburgo
Itu
10
Francisco Rodrigues de Jesus
Laguna
27
Pedro Barros Leite
Itu
49
Manoel Ribeiro da Silva
Viamão
19
Antônio Ribeiro da Silva
Viamão
17
 João Ribeiro da Silva
Viamão
14
Felix Soares
Viamão
18
Salvador Rodrigues Penteado
Santo Amaro
30
José Pereira dos Santos
Braga
28
Pascoal Vieira da Rosa
São Miguel Açor. 
40
Mateus José Da Silva
I. Santa Catarina
22
Antonio da Ponte
Ilha da Madeira
20
Francisco de Cândia
Curitiba
19
Francisco Manoel de Abreu
I. Santa Catarina
22
Luciano de Oliveira
Viamão
20
Francisco Garcia
Curitiba
14
Antonio Pompeu
Itu
25
Tomé Rodrigues
Curitiba
32
 Manoel Rodrigues Filho
Curitiba
18
Joaquim Filho
Curitiba
16
 João Rodrigues
Curitiba
25
Joaquim Borges
Porto
26
        Fonte: Oliveira, 1996, p. 31-32.

 A Companhia era composta de cinquenta e três militares, muitos dos quais permaneceram em Vacaria. Alguns receberam terras como concessão real e outros por meio de dotes de casamento de suas noivas. A análise dos militares, tanto em sua origem como em sua idade, fornece dados interessantes sobre a origem dos povoadores da região.










TABELA Nº 5
ORIGEM DOS SOLDADOS DA COMPANHIA
DE CAVALARIA AUXILIAR DO VACARIA

Local de origem
%
São Paulo
12
27,90
Curitiba
11
25,58
Santa Catarina
7
16,27
Portugal
6
13,95
Viamão
5
11,62
Açores
1
2,3
Vila Rica
1
2,3
                                   Fonte: OLIVEIRA, 1996, p. 31-32.

Nada menos de 53% dos militares da Companhia eram naturais de São Paulo, lembrando que Curitiba pertencia àquela Capitania. Do total dos soldados da Companhia, 16% eram provenientes de Santa Catarina, ou seja, lagunenses, 13% eram portugueses e 11% de Viamão. Observa-se que mais de 48% do total de militares tinham de 20 a 30 anos de idade, o que significa que estavam em idade de casar. Ao passar algum tempo em Vacaria, conheceram jovens com as quais contrataram casamento e, após, casaram. Era costume entre os proprietários dotar as noivas com grandes porções de terra. O casamento, algumas vezes desigual, era facilitado, ainda que o número de mulheres fosse inferior ao dos homens.
Na Colônia no século XVI e, sobretudo com, o desequilíbrio demográfico entre os sexos regulava o mercado matrimonial. Com base nas fontes inquisitórias estimou-se que prevalecia no conjunto do Brasil a relação entre homens e mulheres seria da ordem de 2,8%. (MELLO, 2009, p. 92)

            Ou seja, havia 2,8 homens para cada jovem casadoira. Era fácil para os pais das jovens encontrarem maridos entre os recém-chegados. O número das mulheres que não encontrava marido era pequeno. As mulheres solteiras eram discriminadas, sendo sinônimo de mulher sem tutela, fêmea marginal; em outras palavras, prostituta. (MELLO, 2009, p. 89) Para os jovens sem fortuna, o casamento com as filhas dos grandes senhores constituía um modo rápido e certo de ascensão social, independente de seus sentimentos.
O dote das filhas dos fazendeiros era a terra que, pelo casamento, era concedida pelos pais da noiva aos noivos. Há inúmeros exemplos dessa prática.  Ana, filha de Antônio Gonçalves Padilha, ao casar com Manoel Francisco Pires, este recebeu como seu marido o dote de  um campo com uma légua por um quarto de légua, em Cambará.
Os senhores dos campos preferiam os casamentos endogâmicos. Esses eram comuns na região, na família importava mais a propriedade das terras do que a vontade dos noivos. O casamento, em geral, era um negócio que visava garantir a manutenção da riqueza dentro do grupo familiar.
O casamento entre parentes, próximos ou distantes (até 2° e 3° grau) então era muito usual. Uma das grandes proprietárias de terras de Vacaria, Reginalda Pedroso de Moraes Velho, casou-se com Manoel Antonio Velho, seu primo irmão pelo lado materno, não sendo este  um caso isolado. Há inúmeros exemplos, nos registros de casamento, que precisaram de dispensa episcopal pelo parentesco próximo existente entre os noivos.
Também, para preservar a propriedade, raras vezes os filhos de escravas tidos com seus senhores eram reconhecidos. Não foi o caso do irmão de Boaventura Pacheco, o Capitão Narciso José Pacheco, que teve um filho com uma escrava, chamado José de Freitas Noronha. Com a morte de Narciso, seu pai, Manoel Machado Pacheco, reconheceu o neto. Por isso este recebeu como herança uma parte da fazenda. Assim, Noronha tornou-se o primeiro descendente de escravo com propriedade na região. Outro caso é o de José Dutra, casado com sua sobrinha, Maria José de Souza, morador na fazenda Bom Retiro do Capão Grande, que, ao morrer sem descendentes, em testamento deixou para cinco de seus escravos alguns campos. (ALVES, 2010, p. 55)
Em 1880, em Vacaria, aconteceu outro caso. Inocêncio Lopes de Souza, casado, em testamento informou que Ignez, solteira, a qual vivera em sua companhia, deu à luz a um filho seu chamado Claro.  Inocêncio o reconhece como filho e herdeiro universal (sendo pelo lado paterno adulterino). Tal escolha se deve ao fato de que sua mulher legítima não teve filhos. No mesmo documento declarou ainda que os libertos Raimundo e Eva deveriam receber metade do rincão denominado Da Vigia, situado ao lado da Tapera do Pardo.
Pelos registros de batismos de escravos é possível avaliar a riqueza dos grupos familiares garantidos pelos casamentos entre parentes. Os Borges são os que têm mais registros de batizados de escravos, 107; os Vieira, com 65 registros; os Jesus, com 27 registros; os Velho, com 20 registros; e os Paim, com 13  registros.
Entre as centenas de proprietários de escravos que aparecem nos registros de batismo de escravos estão os Rodrigues e os Branco, cuja presença nos Campos data do século XVIII.     O Coronel Libório Antônio Rodrigues e Luis Augusto Branco possuíam terras no atual município de Ipê, no final do século XIX.
O Cel. Libório comprou a fazenda Estrela, com 300 milhões de campos, coberta por vastos pinheirais na região do rio Pelotas, por 110 contos de réis, de seu compadre Laureano José Ramos, proprietário por herança de seu falecido pai, Cel. Fidelis José Ramos. A Fazenda era uma das maiores sesmarias de Vacaria, tendo seus limites “nos matos particulares” que mais tarde deram origem a Ipê (fonte?). O Coronel Libório era dono de escravos e chefe dos maragatos. Casou-se com Tertuliana, mulher riquíssima, com a qual teve cinco filhos. Em Ipê, as linhas Rodrigues, Etelvina e Virgínia são homenagens ao Coronel e a duas de suas filhas.
Em 1770, as terras doadas em sesmaria pelo Conde de Bobadella a José de Campos Badenburg recebeu o nome de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.  Muitos anos depois,  Luis Augusto Branco foi nomeado o primeiro professor público de Vacaria. Nasceu no Maranhão, filho de Luís de Medeiros Branco e de Ana Joaquina de Medeiros. Quando foi criada a 1ª escola pública municipal, em 30 de agosto de 1847, funcionou numa das salas da mansão de seu sogro, José Luiz Teixeira (mais tarde Casa de Saúde Dr. Elias Saadi), ambos  herdeiros  de José de Campos de Badenburg, portanto, da Fazenda do Socorro.
Em 1851, Luis Augusto Branco casou-se com Virgolina Maria Teixeira, filha de Rosa Borges Vieira e do Cel. José Luis Teixeira (1810-1870), natural de Cachoeira, e que foi comandante da Guarda Nacional do distrito de Vacaria. Luis Augusto teve vários escravos registrados em batismo, entre eles gêmeas nascidas em 1883, filhas de sua escrava Margarida, que dois anos mais tarde teve outra filha batizada. Tornou-se proprietário de terras, algumas das quais tomou como posseiro, nas quais mais tarde surgiu, pelo povoamento, o município de Ipê. Era comum entre os senhores de terras se apossarem de terras, devolutas ou não.
Na região havia outros senhores que tomaram posse de terras interessados na riqueza dos matos, entre eles: Altino de Lima, J. Paim de Andrade, Firmino da Rosa, Olavo Lacerda e Oliveiro Camargo (Segredo e São Paulino). Muitas das terras foram vendidas por José das Neves, um dos herdeiros da família do Coronel Virgílio Rodrigues, proprietário da Fazenda da Estrela. Outros as compraram de Cícero D’ Àvila, responsável pelo assentamento de muitas famílias de imigrantes italianos que chegam a Formigueiro, a partir de 1880.
Formigueiro, povoado por escravos, posseiros e imigrantes italianos que compraram terras, é a síntese do povoamento do Rio Grande do Sul, povoado por muitos povos, vindos de muitos lugares distantes.
Quando, em 11 de fevereiro de 1899, o município de Antônio Prado foi desmembrado de Vacaria, o número de italianos que chegam àquele município aumentou. Parece ter sido o ano de 1900 o da chegada de italianos em Vacaria. Entre eles, podem ser citados José Gasparetto, Samuel  Guazzelli,  Orestes  Broglio,  Francisco  Guerra,  Dante  Mondadori,  Atilio  Giuriolo,  João  Palombini, Constante Gualdi, Eugenio Adami, Germano Dotti, Camilo Marcantonio, Luiz Marcantonio,  Atilio  Marcantonio,  Pedro  Grazziotin,  José  Bolsoni,  José  Bedin,  Antonio  Citton,  Antonio  Scotti,  Boschi,  Demétrio  Gualdi,  Mario Zambelli, Carlos Zachera, Fernando Anelo.



OS DONOS DO TRABALHO  

Se o campo é de pastagem comum,
o correto é pastar em comum. 
Cícero


Assim, na medida em que as terras se recortavam à imposição dos novos donos, diminuía a propriedade comum do gaúcho.
As encomiendas ou sesmarias transformaram-se em instrumentos da política imperialista da Metrópole, pois, além de incluírem o trabalho servil do índio, eram, também, motivo de contrato feudal entre o agraciado e o benfeitor ou a subordinação tácita, deste ao Rei. (ORNELAS , 1948, p. 51)


Por último, porém, não menos importante, é a situação dos escravos em Vacaria. No século XVIII é necessário destacar seu número elevado em relação ao total da população, nada menos que 43,43% do total dos habitantes da freguesia de Vacaria. Outro dado importante é o elevado número de batizados. Destaca-se que nem todos os seus proprietários batizavam as crianças nascidas nas senzalas, como já explicado, senão o seu número seria muito mais elevado. No Império jesuítico não viviam apenas índios guaranis e jesuítas, também era importante a presença de escravos africanos. Assim, os negros entraram em território gaúcho antes mesmo dos conquistadores lusos.
É nas atividades ordinárias das missões jesuíticas que vamos surpreender, em termos pacíficos, a mais ativa conformidade com o instituto da escravidão. Apesar das condenações formais, das frementes campanhas, junto à Metrópole e aos prepostos, pela liberdade do índio, os jesuítas, cedendo à pressão de suas próprias urgências, acabariam capitulando. Ei-los então, “como toda gente”, a admitirem desembaraçadamente o trabalho escravo, tal como exigiam os interesses vitais de todos, e foi assim que passaram a usá-lo sem a menor reserva, para escândalo de muita gente e reparos dos mais severos de alguns irmãos de hábito não afeitos ao espetáculo da escravidão”. (VELHINHO, 2005, p. 63)

No dizer de Velhinho: “Hoje, o regime da escravidão nos revolta até a medula, mas naqueles primeiros séculos da vida colonial ninguém discutia sua legitimidade. Nem mesmo os jesuítas.” (VELHINHO, 2005, p. 63). O uso da escravidão pelos jesuítas era regra geral, não apenas para o Rio Grande do Sul. Observa o autor que no Colégio da Bahia havia setenta escravos negros e os jesuítas tinham licença para carregar três navios negreiros por ano para abastecer os conventos da mão de obra- escrava. ( VELHINHO, 2005, p. 64)
Em 1821, quando Saint Hilaire passou pelas Missões destruídas, anotou que no local havia presença numerosa de africanos, que descendiam dos escravos dos jesuítas após sua expulsão.  A presença africana, por outro lado, revelada no número de escravos usados na criação de gado, aumenta na medida em que o número de sesmarias também vai crescendo.  
TABELA Nº 6
PROPRIETÁRIOS E ESCRAVOS 1786-1886
ANOS
PROPRIETÁRIOSOS
ESCRAVOS
MÉDIA
1786-1800
47
109
2,3
1801-1823
69
170
2.4
1872-1886
126
244
1.93
Total
242
523
2,16
Fonte: Livros de batismos  de Vacaria 1776-1889

Os escravos estão presentes nos registros de propriedade, nos inventários, nas cartas de alforria, nos registros de batismo e de casamento. Os casamentos entre escravos, entre escravos e alforriados ou livres são numerosos no século XVIII, e se tornam raros no decorrer do século XIX.  Os casamentos de escravos nunca foram estimulados, seu número diminui do século XVIII para o XIX.
Alguns registros da segunda metade do século XIX revelam que alguns senhores permitiam o casamento entre seus escravos. Por exemplo, em 1859 Dona Cândida Amaral da Silva permitiu que se casassem seus escravos Antônio e Joana, e ainda Felipe e Maria. Outro senhor que permitiu casamento de escravos, em 1859, foi José Custódio de Camargo, o de João e Maria Leite, Joaquim Leite e Inês, e o de José e Maria, todos naturais da Vila de Fachina.  Os dois primeiros casais já tinham sobrenome, fato raríssimo entre escravos. Há poucos casos em que uma escrava casa com um homem livre, de acordo com os registros:
Registro 23 - Aos 12 dias do mês de Março de 1790, nesta freguesia  de Nossa Senhora de Oliveira de Vacaria, o inocente José Antônio filho legitimo de Antonio de Souza, crioulo livre e de Gertrudes escrava do capitão Francisco José Pereira; foram padrinhos José Padeiro, batizei em casa sobconditio por pouco conceito do batizante, para constar foi  esse escrito só por mim assinado Vigário Ignácio Alves  Machado.

O Padre Ignácio Alves Machado foi Vigário de Vacaria de 1789 a 1797. Era dono da fazenda Santa Bárbara e de outras propriedades em São Francisco de Paula, lugar para onde retorna mais tarde. O vigário tinha vários escravos, que foram batizados por ele ou por outros párocos, conforme os exemplos que seguem:

Registro nº 69 - Aos 9 dias de setembro de 1788 batizei  e pus os santos óleos a Simão, filho legitimo de José e Tomasia; foram padrinhos Antônio e Catarina escravos do reverendo Ignácio. Para constar fiz o assento. Vigário Francisco dos Santos.



Registro nº 65 - Aos 15 dias de Agosto de 1797 nesta capela de São Francisco de Paula da freguesia da Vacaria com licença do senhor vigário batizei e pus os santos óleos a Paulino, inocente filho legitimo de Antônio e  Mariana  escravos do Padre Ignácio; foram padrinhos Domenico e Maria também escravos daquela casa. para constar fiz o assento. P. Ignácio Alves Machado.

Outros senhores de escravos foram Ângelo Correia de Morais, Manoel de Barros Pereira, Antônio Velho e Inácio Leite. Através dos registros de escravos batizados em São Francisco de Paula entre 1789 e 1881, constatou-se que houve 334 batizados.  As mães dos batizandos eram escravas do mesmo proprietário que o do seu filho, o que significa que havia no mínimo 668 escravos no período, nas fazendas dos Campos. Os registros revelam que as crianças escravas em geral eram filhos naturais, o que corresponde a cerca de 70% do total. Constatou-se que era igual o número de meninos e de meninas batizados.

 Os padrinhos constantes nos registros em sua a maioria eram brancos e livres (71,77 %), seguidos pelos escravos (22,35%), sendo que pouco forros eram escolhidos para padrinhos (5,88%). Em geral padrinhos e escravos pertenciam ao mesmo dono. Assim, é possível que o número de escravos se elevasse a 1.368, considerando apenas os batizados. Como o número de proprietários que possuíam mais de um escravo batizado era de 46, é possível calcular o número de escravos por fazenda, que, em média, por ano, era de no mínimo de nove escravos.  Entre os muitos registros analisados houve apenas um caso de libertação pelo batismo e de apenas uma das mães escravas que tinham fugido.  Um dos registros mais interessantes do livro de batismos de Vacaria é de um escravo branco:

Registro 14 - Aos 26 dias do mês de janeiro de 1873  na  Matriz de N. Sra de Conceição de Oliveira de Vacaria  batizei  solenemente  e pus os santos óleos  ao inocente Marcos branco, nascido  28 de novembro de 1872; filho natural  de Justina escrava de Tristão Gonçalves de Araújo e de sua mulher Maria Benvinda de Oliveira; foram padrinhos Manoel Maria da Fonseca Bello  e dona Maria Boeira da Fonseca que para constar fiz o assento,  que assinei Vigário Padre Nicolau Maria Berardi.
No período compreendido entre 1801 e 1870, no território gaúcho, o crescimento natural da população escrava que era de cerca de 1% ao ano. No mesmo período, calcula-se que tenham entrado cerca de 70 mil escravos na província, chegando a um total de 99 mil em 1870. A partir de então os números tendem a se reduzir. Assim, o número de escravos varia de 70 a 100 mil escravos.
As cartas de alforria da região de Vacaria foram 89, de 1884 a 1888. Essas obrigavam a 43% dos escravos liberados trabalharem por mais 7 anos (279); outros, por menos anos. Escravos livres sem qualquer condição correspondiam a apenas 6,9% do total. Em 1884, em Vacaria o número de escravos deveria ser de mais de 250 escravos. Observa-se que a pretensa abolição gaúcha de 1884 não existiu na prática. Senão, não haveria necessidade de alforrias. (BARROSO, 1992, p. 278)
  Os registros de batismos e de casamento também foram usados como formas de registrar, de reconhecer e de dar nome a escravos, pois neles seu nome aparece ligado ao de seu proprietário. Os exemplos a seguir são paradigmáticos:
Registro 200 - Aos 20 dias do mês dezembro de 1816 na freguesia de N.Sra de Oliveira de Vacaria  batizei  e pus os santos óleos a Camilo, filho legitimo de Miguel e Joana escravos de Boaventura Soares de Barros, o qual na ação de batizar pediu e rogou-me que tomasse o inocente Camilo por escravo de Boaventura Padilha a quem dava de sua livre vontade e para dar mais verdade assinou de que para constar fiz o assento, que assinei Vigário Marcelino Carvalho da Motta.

Registro 257 - Aos 8 dias  do mês de setembro  de 1822  na capela de São Francisco de Paula  da freguesia de N.Sra de Oliveira de Vacaria  batizei  e pus os santos óleos a Justiniano, nascido a 15  de Junho do dito, filho  natural de Joaquina escrava de Manoel de Souza  Duarte a qual vendeu essa inocente na ação de batizar a sua filha Inácia Rodrigues, por doze mil e oitocentos réis nesse caso a vendi como escrava; foram padrinhos Manoel e Ana escravos de Antonio Telles de Souza que para constar fiz o assento,  que assinei Vigário Marcelino Carvalho da Motta. 
Entre 1786 e 1812  foram batizados 210 escravos em Vacaria, segundo os dados que seguem .
TABELA Nº 7
ESCRAVOS  BATIZADOS – VACARIA (1786-1800)
Ano
SITUAÇÃO CIVIL
SEXO
Naturais
Legítimos
Masculino
Feminino
Total
1786
5
2
7
0
7
1787
2
1
3
0
3
1789
3
0
1
2
3
1790
4
5
7
2
9
1791
6
1
3
4
7
1792
3
2
1
4
5
1793
2
1
1
2
3
1794
5
6
4
7
11
1795
2
1
1
2
3
1796
1
2
1
2
3
1797
5
3
7
1
8
1798
2
4
4
3
6
1799
1
0
0
1
1
1801
6
8
6
8
14
1800
6
8
6
8
14
1802
4
2
5
4
6
1803
2
3
1
1
5
1804
1
0
6
1
1
1805
1
0
2
0
6
1806
0
2
1
1
2
1808
3
1
4
2
1
1809
0
2
2
0
4
1810
1
7
8
3
2
1811
0
1
1
0
8
 1812
13
27
50
20
1
total
31
89
132
78
210
                                  Fonte: Livro de batismos da paróquia de N.Sra da Oliveira de
                                             Vacaria 1786-1823


     A Tabela 7 revela a condição geral dos escravos batizados entre 1776 a 1812, sendo que 25,83% eram filhos de pais casados. Já, 74,16% eram filhos naturais, ou seja, só da sua mãe escrava. Dos 210 escravos batizados, 37,14% eram do sexo feminino e 62,85% do sexo masculino.
Os casamentos entre escravos se reduzem de forma significativa ao longo da segunda metade do século XIX. Ocorrem vários casamentos entre forros e escravos e entre libertos e escravos. Raramente casam-se escravos de um dono com escravos de outros donos. Entre livres e escravos há um número significativo de filhos naturais, de escravas com brancos livres. Tais dados revelam certa liberdade sexual, ao mesmo tempo em que revelam o estigma da mulher, pois só ela tem em registro filhos naturais. A paternidade está isenta desta pecha. Ou seja, a culpada é sempre a mulher que pare e não o homem que gera.


OS SENHORES DO PRÓPRIO TRABALHO
 A raça humana não pode prosperar enquanto
não aprender  que há tanta dignidade
em cultivar campos quanto em escrever um poema.
 Booker Washington

Os imigrantes italianos se instalaram nas colônias imperiais a partir de 1875: Caxias, Conde d’Eu e Dona Isabel, e partir de 1885, na de Antônio Prado. No Brasil, eles passaram a ter mais filhos. Por ocasião da chegada ao Brasil a média de filhos por família era de 2 a 3, mas logo o número de filhos duplicou ou triplicou. O maior número de filhos se deve menos à religião do que às terras compradas. Quanto mais terras os colonos possuíssem, mais braços punham no mundo para trabalhar. Os filhos tornaram-se uma forma de sobrevivência, não só da espécie, como da propriedade.
Não demorou muito para que novas terras fossem buscadas pela pressão do crescimento dos filhos. O Paese Novo, hoje Antônio Prado, começou a receber imigrantes em 1885 e em pouco tempo os lotes postos à venda foram todos adquiridos.   O lugar chamado de Matos Particulares (hoje Ipê) logo começou a ser procurado. Os casebres erguidos por antigos escravos deram novo nome ao lugar, que passou a ser conhecido como Formigueiro. No local onde hoje funciona a Escola Estadual Frei Casemiro Zaffonato, existiam mais de 10 choupanas, onde viviam agregados dos fazendeiros donos dos Matos Particulares.
Novos moradores que aí se instalam, vão adquirindo lotes das terras. No ano de 1891 lá viviam lado a lado italianos e lusos de origem, muitos deles antigos moradores de Vacaria. Casamentos se dão entre os dois grupos.
A localidade cresce e muda de nome. Quando se tornou o 4º distrito de Vacaria, a localidade foi chamada de São Luís do Formigueiro. Com a chegada dos imigrantes italianos, após 1885, provenientes de Antônio Prado, e que compraram lotes de terra para seus filhos, aumenta em muito o número de seus moradores.
Na região havia outros senhores que tomaram terras, interessados na riqueza dos matos. Entre eles: Altino de Lima, J. Paim de Andrade, Firmino da Rosa, Olavo Lacerda e Oliveiro Camargo (Segredo e São Paulino). Muitas das terras foram vendidas por José das Neves, um dos herdeiros da família do Coronel Virgílio Rodrigues, proprietário da Fazenda da Estrela. Outros compraram de Cícero D’ Àvila, responsável pelo assentamento de muitas famílias de imigrantes italianos que chegam ao Formigueiro, a partir de 1880.
Quando, em 11 de fevereiro de 1899, o município de Antônio Prado foi desmembrado de Vacaria, o número de italianos que chegam àquele município aumenta.  Os primeiros imigrantes a adquirirem terras de Libório Rodrigues foram João Pellin, Francisco Marcantônio e Antônio Zanotto que, após diversos anos, formaram uma sociedade instalando uma das primeiras serrarias do município. Na mesma época, os irmãos Nodari também investem em uma serraria. As matas exerciam uma atração irresistível sobre os donos de serrarias, que seguiam avante destruindo-as.
As colônias eram vendidas por agentes de seu proprietário, o coronel Libório Rodrigues. A medição dos lotes foi realizada por Francisco Marcantônio (França) e por João Pellin (João Grande), responsável pelo traçado das primeiras ruas de Ipê. Logo chegam os imigrantes italianos em busca de mais terras, entre eles os Bortolozzo, Scopel, Orssi, Pellin, Migloretto, Pinotto e outros.
Em 1900, chegam outros italianos, alguns vindo de Vacaria, possuidores de lotes em Formigueiro, entre eles: José Gasparetto, Samuel Guazzelli, Orestes Broglio, Francisco Guerra, Dante Mondadori, Atilio Giuriolo, João Palombini, Constante Gualdi, Eugenio Adami, Germano Dotti, Camilo Marcantonio, Luiz Marcantonio, Atilio Marcantonio, Pedro Grazziotin, José Bolsoni, José Bedin, Antonio Citton, Antonio Scotti, Boschi, Demétrio Gualdi, Mario Zambelli, Carlos Zachera, Fernando Anelo. Muitos outros vieram de Antônio Prado.
A região aos poucos foi sendo povoada, e, com o aumento da população, uma paróquia se tornou necessária. A Capela de São Luís de Antônio fazia parte da Paróquia Prado. Mas os moradores do Formigueiro, em 1935, resolveram pleitear uma paróquia para a localidade. O Arcebispo D. João Becker aprovou a criação de uma nova Paróquia. Em 10 de março de 1936, foi instalada a paróquia de São Luiz de França, que fazia parte da Prelazia de Vacaria, deixando de pertencer à Paróquia de Antônio Prado. Em 5 de abril de 1936 tomou posse o primeiro Vigário, Padre  Frei Eduardo Totto.

POR FIM
           Pela Lei Estadual nº 8.482, de 12 de dezembro de 1987, foi criado o município de Ipê, formado, como o Rio Grande do Sul, por muitas etnias. Seu povoamento foi o mesmo do dos Campos de Cima da Serra. Para completar seu povoamento vieram os imigrantes italianos vindos das colônias imperiais, que trouxeram imigrantes alemães e de outras etnias que povoaram as plagas gaúchas .
            Índios, africanos e europeus lusos e italianos contribuíram para sua formação. Hoje, passados mais de um século e um quarto de seu povoamento, é possível perceber o amálgama de povos e culturas de sua formação, guardando cada um deles suas peculiaridades, que, com o tempo, se homogeneízam. Chegará o dia em que as diferenças serão apenas lembranças.

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[1] Fogo: sinônimo de residência dotada de fogão.