Um campo, por mais fértil que seja,
sem cultivo não pode ser produtivo.
Cícero
Esta comunicação tem
como objetivo analisar o processo de formação histórica dos Campos de Cima da
Serra, em especial os da Vacaria do
Pinhal, de onde deriva a história de Ipê. Para compreender a história do
seu povoamento, antes é preciso entender os primórdios da ocupação dos campos.
É o resultado de uma pesquisa que teve início
em 2007, sobre a presença africana na serra na região da Serra, e na do planalto
de Vacaria, em 2011.
Os campos do Planalto
Meridional foram ocupados em três etapas: a primeira pelo criatório dos
jesuítas no século XVII e pela entrada dos bandeirantes, dois lados de uma
mesma história; a segunda, quando ocorre a fixação dos lusos e dos paulistas (a
chamada invasão), no século XVIII, e,
por fim, a terceira etapa, no século XIX,
com a chegada dos imigrantes alemães e italianos,
vindos das antigas colônias imperiais da
encosta da Serra, e que, a seguir, se espalharam no Planalto em busca de terras
e matos para suas serrarias. Em todas
está presente o africano, escravo ou livre, levando em seus braços a economia
regional.
Essas sucessivas etapas da ocupação dos campos
não se deram por ordem imperial. Os campos não foram povoados de cima para baixo,
por meio de empreendimentos oficiais, como ocorreu nas colônias das encostas do
Planalto, no Nordeste gaúcho. Sua ocupação se fez aos poucos, de forma
espontânea. Foi o campo que chamou seus povoadores,
com suas planuras, seus campos e suas florestas de araucárias. Lugar perfeito
para a criação de gado, o campo foi mais do que um cenário, foi lugar de atração
e de sustento de várias culturas. Nele ocorreu a criação de gado (mulas, bois, cavalos
e ovelhas), a lavoura, a policultura e a indústria extrativista da madeira,
movida pela mão de obra escrava e pela livre, familiar. Enfim, é onde melhor se
deu a síntese das culturas, tendo como principal elemento o campo, objeto de
toda uma história, cuja beleza foi (e é) cantada por colonizadores, viajantes,
religiosos e colonos.
Sob o ponto de vista
administrativo o município de Ipê esteve ligado desde o inicio de seu
povoamento a Vacaria. Como parte de fazendas e, mais tarde, como 4º Distrito,
recebeu o nome de São Luís de França em 1890 (Ato Municipal nº 696, de 31 de
dezembro de 1890). Manteve esse nome até 1933, acrescido de Colônia de São Luís
de França. Em 1939, passou a Distrito de Ipê, assim permanecendo até 1987. Emancipou-se
de Vacaria, guardando o nome de Ipê, pela Lei Estadual n.º 8.482, de 15 de dezembro
de 1987. O novo município foi instalado em primeiro 01 de janeiro de 1989. Com um
território de 475 km, era composto por três distritos: Ipê, Vila São Paulo e
Vila Segredo, todos desmembrados do município de Vacaria.
LUGAR DE PASSAGEM E POUSO
Os deuses fizeram o campo
mais esplendidamente e melhor que
tudo.
Desde
tempos imemoriais os nativos que viviam no planalto meridional brasileiro
faziam dos pinhais lugar de parada outonal, onde os pinhões ofereciam comida
garantida e a caça, atraída pelo abundante alimento. Da mesma forma que os
indígenas, os lusos fizeram do território do atual município de Ipê local de
pouso e de passagem de tropeiros. Após a criação do município de São Sebastião (1875),
o caminho que ligava a Serra do rio das Antas ao vale do rio Caí tornou-se mais
movimentado, com a vinda de imigrantes italianos, que logo se tornaram
consumidores dos produtos vindo do campo. Fazendeiros dos campos de Vacaria
passaram ocupar as terras, nas quais os escravos plantavam milho e se abrigavam
em choupanas.
Não
há certeza sobre fatos e aspectos da primitiva ocupação dos campos do Planalto.
Talvez alguns deles nunca sejam esclarecidos, por falta de testemunhos ou de
documentação, pois, as passagens dos nativos e a dos jesuítas espanhóis, como a
chegada dos fazendeiros lusos, não exigiam registros cartoriais, nem
documentação.
Em
relação aos povos primitivos que povoaram os campos faltam estudos e registros
arqueológicos precisos. Ao que tudo indica, sua chegada data de 12 mil anos ao
Planalto Meridional (sujeita a revisões). Em relação aos indígenas, faziam
parte de três grandes grupos: os minuanos, os guaranis, e, mais tarde, os gês.
Esses últimos chegados há cerca de 2.200 anos. Os gês foram destruídos pelos
bandeirantes, bem como pelo convívio com os fazendeiros, pelos quais foram
aproveitados nos serviços do campo. Muitos são os relatos de viajantes sobre sua
presença nas fazendas gaúchas. Seu extermínio se deu de forma diversa, tanto pela
miscigenação, como pela perda de sua cultura. Nos campos serranos é reconhecida
pelas famílias a origem índia da algumas de suas avós. O extenso trabalho genealógico de Luiz
Antônio Alves comprova essa miscigenação, seguida de sua assimilação pelos
brancos. (ALVES, 2003 )
O
povoamento do Rio Grande do Sul ocorre em três frentes: no Leste com os
jesuítas espanhóis, no Sul com os militares lusos e a fundação do forte Jesus
Maria José e no Norte pelo avanço dos paulistas. São essas frentes que estabelecem
também o povoamento dos campos de Vacaria, síntese da história sul
rio-grandense. Foi lugar de passagem e de pouso dos primeiros e principal
caminho das Missões em direção a São Paulo, e, mais tarde, do caminho do gado
sulino para a feira de Sorocaba.
Um
dos vestígios da passagem (ou posse?) da região dos campos pelos missionários
da Companhia de Jesus é o marco de pedra polida, cuja origem não foi
identificada. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
o marco “[...] no qual se encontra a sugestiva data de 1622, o qual, segundo
Taunay e P. Geraldo Pawels, representa o mais antigo monumento do Rio Grande do
Sul”.
Figura 1: Marco encontrado na Praça central de Vacaria com a
data de 1692 e os símbolos usados pelos jesuítas. Foto da autora, em 2012.
Há um equivoco na página do IBGE
sobre a data inscrita no marco de arenito, que na verdade é 1692. Tal data, ainda
assim, faria de Vacaria a mais antiga região povoada no Rio Grande do Sul, sendo
pouco posterior à da fundação da Colônia do Sacramento (1680) e que se encontra
em território do Uruguai. É possível supor que a chegada dos jesuítas com o
gado seja anterior à data do marco. Este
deve ter sido feito e trazido após a chegada do gado. Ainda que a data do marco
seja 1692 e que a ocupação jesuítica seja sua contemporânea, continua sendo uma
das mais antigas marcas da presença europeia no Continente de São Pedro. Tal
fato desloca a primazia do povoamento do Continente de São Pedro para os
jesuítas espanhóis, em detrimento da dos paulistas, já que dificilmente poderia
haver ocupação dos campos pelos paulistas se aí não houvesse o gado
missioneiro.
Se o povoamento dos campos do Planalto se deu
de Leste para Oeste, e não do Sul nem do Norte, torna-se importante relembrar alguns
fatos da passagem dos Jesuítas pelo Planalto Meridional Sul do Brasil.
Em
1627, os jesuítas fundaram as primeiras missões na margem direita do rio
Uruguai, nas regiões despovoadas do império espanhol na América. Em 1641, essas
foram destruídas pelos bandeirantes. Em 1682, começam a ser fundados os Sete Povos
das Missões, na margem esquerda do Uruguai. Foi assim que aos poucos os campos
do Planalto começam a ser percorridos, neles tendo sido deixado tanto o gado
como o marco, que data de cinco anos após a fundação dos Sete Povos. A
cartografia jesuítica, por outro lado, revela que o conhecimento e a ocupação
da Vacaria dos Pinhais (Baqueria de Los
Pinares, para os espanhóis) data de 1667. O
que significa que a expansão missioneira se deu muito além dos Sete Povos e
muito antes da data em geral aceita.
O
povoamento oficial e a ocupação efetiva do Sul pelos portugueses se dá com a
fundação do presídio de Jesus, Maria, José, em1727, no Rio Grande. Ou seja,
quarenta anos após a ocupação jesuítica dos Sete Povos. A guarnição militar, além de seu efetivo, era servida
por 80 escravos. Vários índios foram atraídos para o Forte, e passaram a viver ao
seu redor.
Testemunhos
do século XVIII dão conta de que a região dos campos do Planalto Rio-grandense era
despovoada até o final do século XVII. Cesar (2005, p. 232) afirma
que era uma terra de ninguém. A terra poderia ser pouco povoada, mas não era
despovoada. Por outro lado, já tinha dono, visto que pertencia à Espanha. Ao
contrário, o domínio espanhol do Sul do Brasil era terra de muitos passantes: índios
em suas andanças; bandeirantes em suas razias: de tropeiros com as tropas de mulas
e de gado bovino; jesuítas em sua transumância, transportando seu gado, escravos
e índios missioneiros. Os jesuítas possuíam inclusive um sistema de guarda em
pontos estratégicos, o que pode explicar o marco. Suas sesmarias eram coletivas,
as estâncias com 10 mil cabeças de gado eram cuidadas no máximo por 10 pessoas,
os posteiros, que cuidavam dos quatro
pontos que limitavam a criação. (RIBEIRO, 2009, p.105)
Após
1682, as novas sesmarias jesuíticas tinham objetivos diferentes das antigas, essas
voltadas para a produção da carne e aquelas voltadas para a comercialização do
couro. A carne era usada apenas para o consumo.
A data de 1697 em geral é aceita como a da primeira
leva de gado trazida das Missões para os Campos. Não se devem confundir
registros com a ocupação. A ocupação das terras por posse não requer
documentos, nem registros. A propriedade, ao contrário da posse, requer
documentação e registro.
Para Oliveira, em 1705 o gado foi trazido do Uruguai,
do grande rodeio de Cebolatti, “[...] gado que serviu para povoar as Vacarias
dos Pinhais que estavam em formação. Calcula-se que 80.000 rezes foram soltas
em 1712 espalhando-se nos dois lados do rio Pelotas [...] ” (OLIVEIRA , 1995,
p. 219) .
De resto, as
estâncias jesuíticas, onde a criação de gado vacum e cavalar conferiu expressão
econômica relevante ao oeste rio-grandense, se espalharam muito além do
território missioneiro, ao Sul até as proximidades da lagoa dos Patos e subindo
para o Norte até a Vacaria dos Pinhais; entestavam com as Vacarias do Mar, estas
últimas já na órbita do litoral atlântico. (CESAR, 2005, p. 232)
Ao
mesmo tempo em que iam sendo ocupados os Campos de Cima da Serra, as estâncias jesuíticas
se expandiam nas Missões. Lopes Neto descreve: “Nessas dilatadas e ferazes
campanhas pastavam não menos de 500.000 animais, bovinos, cavalares e muares da
mais correta estampa e aproveitáveis qualidades. (LOPES NETO, 1998, p. 120). Cesar
observa que:
Em realidade, a Vacaria nordestina dos Gaúchos
parece não ter ultrapassado, em quantidade de reses produzidas, a espantosa
abundância das Vacarias do Mar. Nem contribuiu, nas mesmas proporções desta, para
o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, pelo muito que esse criatório uruguaio
fomentou a indústria de charque na zona do Rio São Gonçalo. (CESAR, 2005, p. 23)
Essa afirmação centrada nas vacarias do mar é mais política do que histórica,
pois o número das duas vacarias não pode ser comprovado. No século XVIII, as
estatísticas sobre o gado não são confiáveis. O que se pode afirmar é que o
gado era abundante nas vacarias do pinhal,
já que foram elas que atraíram os paulistas. Seja pela abundância de gado,
seja pela sua proximidade de São Paulo, a entrada dos povoadores paulistas se
dá por Vacaria, e não pelo Uruguai.
De resto, as
estâncias jesuíticas, onde a criação de gado vacum e cavalar conferiu expressão
econômica relevante ao oeste rio-grandense, se espalharam muito além do
território missioneiro, ao Sul até as proximidades da lagoa dos Patos e subindo
para o Norte até a Vacaria dos Pinhais; entestavam com as Vacarias do Mar, estas
últimas já na órbita do litoral atlântico. (CESAR, 2005, p. 232)
O que significa que a expansão missioneira dos Sete
Povos se deu em direção às duas vacarias. Ambas ligadas à criação de gado, sendo
difícil distinguir qual era maior ou mais importante. O certo que a Vacaria dos Pinhais ficava no caminho
para Sorocaba. O seu gado logo atraiu predadores, não só bandeirantes paulistas,
como também os acioneiros da margem
direita do Uruguai, autorizados ou não pelos governos de Buenos Aires. (VELHINHO,
2005, p. 77). Os campos e o gado aparentemente ilimitados davam origem a seus
próprios predadores e ocupantes, ou seja, os paulistas, os castelhanos e os
índios.
E havia muito gado:
Mais
de 80.000 rezes a fazerem sombras nestas paragens da Vacaria dos Pinhais, nos Campos
de Cima da serra, apartadas da tropa maior de 400.000, que os 1.000 tropeiros
índios conduziram no ano de 1705 do rodeio da Bacia do Prata, numa viagem de
1300 km, até as estâncias missioneiras. Falta o autor da citação. Coloquei em recuo, pois é longa.
O gado ali deixado deveria se reproduzir sem a
participação direta da mão de obra humana. Foi a forma encontrada pelos
jesuítas para salvar os rebanhos que nas Missões eram constantemente atacados
pelos gaudérios (vagabundos, errantes
e andarilhos) e pelas bandeiras:
A
fim de salvar de suas reservas o que fosse possível, os jesuítas conseguiram
levar 80.000 cabeças para o planalto serrano, estabelecendo assim a chamada
Vacaria dos Pinhais. Aconteceu, porém, que a esse tempo, princípios do século
XVIII, já os luso-brasileiros vinham descendo pelo litoral rio-grandense e fixando-se nos campos de Viamão e
proximidades. Em seguida estariam galgando o planalto e trazendo gado Na
Vacaria que aos padres espanhóis parecera inabordável.” ( VELHINHO, 2005, p.77)
Na medida em que crescia o gado, crescia
também a população, e com ela aumentava a procura por novas terras.
Avé-Lallemant no Rio Grande do Sul informa sobre
“[...] as célebres possessões dos jesuítas, que, no conjunto, contavam 100
léguas de comprimento por 40 léguas de largura”. E que o chamado “[...] império
jesuítico foi se formando despercebidamente, no ano de 1631 compreendia 20
povoações, cem anos depois 32 missões com mais de 100.000 almas.” (AVÉ-LALLEMANT,
1980, p. 278) Deve-se acrescentar que o crescimento se deu apesar das bandeiras
e da caça aos índios pelos paulistas.
Por outro lado, fica difícil calcular o
número de reses que compunham o rebanho dos vastos campos serranos. Mas é
possível inferir que se seu crescimento foi de 50% em 10 anos. Ao que tudo
indica, em 1705 havia 80 mil cabeças, em 1715 seu número seria de 130 mil
cabeças.
Figura 2: As fazendas surgidas ao longo do caminho do gado
no século XVIII.
Fonte: WEIMER, 1995, p. 239.
No
Censo de 1786, Inácio Osório Vieira anota que as estâncias da região viviam sob
a ameaça permanente das incursões de índios selvagens moradores das florestas
vizinhas e dos bandeirantes. Não há menção de sesmarias no planalto, pois os rebanhos
dos jesuítas não precisavam desse tipo de concessão.
Em 1752, quando os campos foram ocupados
pelos lusos, o rebanho deveria passar de 500 mil cabeças. A providência dos
jesuítas de transferir o gado para o planalto foi tardia, já que esse não era
tão inacessível quanto lhes parecia. E de há muito os paulistas por ele passavam,
traçando novos caminhos.
Na medida em que aumentavam as estâncias,
aumentava o número de escravos. Esse fato se evidencia tanto nos inventários
como nos registros de propriedades. O aumento do número de escravos reflete-se
também no número de batizados O caminho de Sorocaba as Missões deixa de ter tanta
importância após a expulsão dos jesuítas (1759), com o gritante declínio da
população e economia missioneira.
Tudo
muda em 1759. Com do Alvará Régio de 28 de junho, o Marquês de Pombal termina com
o poder dos jesuítas, fechando suas escolas em Portugal e nas suas colônias.
Criou aulas régias ou avulsas de Latim, Grego, Filosofia e Retórica, que
deveriam suprir as disciplinas antes oferecidas nos extintos colégios jesuítas.
(SECO; AMARAL, Internet, s/d)
Com
a expulsão dos jesuítas as Missões perdem o poder econômico. A estrada que
ligava à Vacaria não deixa de ser trilhada, mas, seus passantes são outros e menor
o seu número. O fim das Missões atrasa o povoamento da região dos Campos, que é
prejudicado ainda pelos ataques de índios, o último dos quais se deu em 1798, e
pela invasão espanhola.
O
povoamento de Vacaria, e, portanto, o de Ipê, foi o resultado da luta de
muitos: índios, brancos e africanos de muitas pátrias, livres e escravos, ricos
e miseráveis, que contribuíram para a ocupação e construção da civilização sul
rio-grandense, e não apenas de um grupo restrito de brancos. Ao que tudo
indica, sua ocupação está ligada mais à subsistência do que aos interesses políticos.
Em síntese, foi a sociedade civil, mais do que o Estado, a influenciar no
povoamento da região.
OS
DONOS DA TERRA
Somos frutos da paisagem em que vivemos;
ela
dita nosso comportamento e até nossos pensamentos,
na
medida em que reagimos a ela.
Laurence Durrel
Em
1713 foi aberta a picada que cortava os matos castelhano e português, pelos
índios das Missões. Após essa abertura, torna-se o caminho comum das tropas,
entre 1727 e 1759, que, saídas das Missões, iam rumo ao Sudeste. (IBGE). Nesse
período, o Continente de São Pedro era pouco povoado. Segundo Borges Fortes:
Até 1733 só havia três ou quatro sesmarias
concedidas pelo governo da Capitania ao Sul de Laguna. 1ª Jerônimo de Castro (doada
pelo governador Antonio Caldeira da Silva Pimentel). 2ª Manoel Gonçalves Ribeiro,
nas Conchas (Tramandaí). 3ª Francisco Vicente Ferreira (Itapoã) (BORGES FORTES,
1940, p. 40)
Foi o gado alçado (no sentido de fugido para
lugares ermos; abagualado) que atraiu os bandeirantes. A bandeira de Raposo Tavares
(1638-1651) passou por Vacaria e São Francisco vinda de Barretos. Já, a de
Caaçapá Guaçu (1639), à frente da qual estava Fernão Dias Pais, devastou o “[...]
altiplano de Vacaria e de Cima da Serra antes de se dirigir ao oeste do Jacuí”.
(BORGES FORTES, 1940, p. 64-67) Cesar observa que as bandeiras paulistas foram
fundamentais para enfraquecer “[...] as reduções, libertar gado e índios. Elas
começavam a apropriar-se do tesouro vivo que eram os rebanhos rústicos das
Vacarias.” (CESAR, 2002, p. 80).
Em 1752, Gomes Freire manda expedições para:
[...]
inspecionar o Guaíba subindo o Jacuí. Na ocasião, concedeu sesmarias a antigos
e novos ocupantes de rincões de Viamão de Cima da Serra no vale do rio dos
Sinos, no rio das Antas e nos campos de Vacaria dos Pinhais para precedê-los a
terra e facilitar a abertura de caminhos” (CESAR, 2002, p.76).
Nesse mesmo ano, foi por ele concedida a
sesmaria São João ao Capitão Pedro da Silva Chaves. Em 1754, o Capitão compra
de Francisco Pinto Bandeira a sesmaria da Cria, que a fundara (CESAR, 2002, p. 283).
Começa
com a concessão das sesmarias o povoamento luso. Assim, em 1766:
Já estavam alicerçadas 52 sedes, com uma
população de 292 pessoas, a saber: 1. Cima da Serra 18 fazendas e 133 pessoas; 2.
Vacaria 18 fazendas e 77 pessoas. 3Lages 16 fazendas e 82 pessoas (OLIVEIRA,
1995, p. 271)
Dez anos depois o número de habitantes havia crescido. Segundo processo
judicial de 1776, eram 95 os habitantes dos Campos de Cima da Serra, listados pelo
relator Conselheiro Mafra. Destes, 18 eram proprietários e 77 moradores das
propriedades. Não consta do processo se esses moradores eram livres ou escravos.
Os proprietários das sesmarias constam da Tabela 1, a seguir.
TABELA
Nº 1
PROPRIETÁRIOS
DE TERRAS EM VACARIA EM 1776
Proprietários
|
Moradores
|
Proprietário
|
Moradores
|
Antônio Pinto
Ribeiro
|
3
|
Francisco
Álvares de Aguiar
|
2
|
Antônio da
Costa Ribeiro
|
6
|
José de Campos
Bandemburg
|
15
|
Miguel Feliz de
Oliveira
|
6
|
Antônio Borges
Vieira
|
6
|
José da
Silveira Bittencourt
|
6
|
Luiz Antônio da
Rocha
|
3
|
Lourenço Roiz
de Araújo
|
3
|
Júlio da Costa
Ribeiro
|
2
|
João Ribeiro
|
6
|
Pedro de Barros
|
2
|
Leandro de
Souza
|
4
|
Joaquim Antônio
dos Santos
|
2
|
Claudio Ribeiro
|
2
|
João de
Oliveira
|
2
|
Baltazar Gomes
de Escovar
|
6
|
Lourenço da
Rocha
|
1
|
Fonte:
PEREIRA, 2006, p.111.
A família Ribeiro era a mais numerosa, contava com cinco
proprietários com seu nome, o que corresponde a 30% do total. Segundo o já
referido processo, a propriedade mais populosa era a do Capitão Pedro da Silva Chaves,
que contava com 40 moradores.
Francisco Carvalho da Cunha, ao que tudo indica, foi
um dos primeiros moradores dos Campos da Vacaria. Consta que em 17 de maio de
1754 recebeu do Conde de Bobadella carta de sesmaria de 3 por 1 légua. Essas
terras antes haviam sido ocupadas pelo Capitão Francisco Pereira Gomes, que
cruzou o rio das Antas, povoando uma fazenda na chamada estrada dos tropeiros, a qual abandonaria pouco depois.
Conforme anota Inácio Osório Vieira, no censo de 1786,
as estâncias da região viviam sob a ameaça permanente das incursões de índios selvagens,
moradores das florestas vizinhas. Os campos de Vacaria não podiam ser mais
cobiçados.
Por esse motivo algumas terras ocupadas foram
abandonadas. Mais tarde, foram arrematadas em juízo por outros interessados. Em
1774, o Capitão Antonio da Costa Ribeiro comprou terras. Quando de seu
falecimento, não deixando herdeiros, os campos foram arrematados na Praça de
Ausentes, pelo Padre Bernardo Lopes da Silva e pelo tenente José Pereira
da Silva. Em 1789, algumas dessas glebas, por sua vez, foram arrematadas por
Antônio Manoel Velho, que as chamou de Fazenda Santo Antônio dos Ausentes.
O caminho do gado trilhado pelos tropeiros
foi sendo ocupado pelos primeiros povoadores da região, os quais se tornaram
grandes posseiros. O caminho partia das Missões
e em direção Norte seguia para São Paulo, passando pelas vacarias do pinhal.
Ornellas precisa que a “invasão paulista” se
deu “[...] após 1729 quando Souza e Faria descobriu a riqueza dos campos e do gado
avisando o governo paulista” (ORNELLAS, 1948, p. 51). Data daí o interesse
maior dos paulistas pelo Planalto Meridional, o que levou à multiplicação das sesmarias.
Chegou ao auge a
febre pela posse de estâncias no interior. As sesmarias concedidas
multiplicavam-se assombrosa e desordenadamente. Em breve todos os habitantes
quiseram ser estancieiros. A capitania foi retalhada em propriedades extensas. A
lei das sesmarias, que mandava conceder apenas três léguas de campo foi
iludida, violada e desprezada pelos sesmeiros e pelos governadores, que faziam
concessões largas e arbitrárias (ORNELLAS, 1948, p. 207).
Aos poucos “[...] as estâncias que se
alastraram ao longo do caminho das tropas, valorizando as terras, engendrando a
economia, atraindo novos povoadores para a imensidade dos campos. Começavam a
apropriar-se do tesouro vivo que eram os rebanhos rústicos da Vacaria”. (BORGES
FORTES, 1940, p. 146)
Em 1768, Vacaria foi reconhecida como
povoado, quando a capela existente no local foi elevada à freguesia, com a nomeação
de um pároco. A primeira capela havia sido erguida sete anos antes, sendo inaugurada
em dezembro de 1761. O primeiro 1º pároco foi João Ferreira Roriz. O lugar onde
foi erguida a capela fazia parte da sesmaria de Manoel Rodrigues de Jesus.
Muitos anos mais tarde, em 1847, uma de suas herdeiras, Inácia Rodrigues Vieira,
doou a Nossa Senhora da Oliveira a área de terras onde hoje se situa a cidade
de Vacaria (COSTA, 1996, p. 95).
Em 1773, mais uma vez a região foi
ameaçada pela invasão espanhola, o que levou muitos posseiros e sesmeiros a
abandonarem suas terras. Em 1777, os espanhóis foram expulsos. O governo português em
seguida manda realizar um recenseamento.
O
Censo de 1780 foi realizado pelo engenheiro Antonio Inácio Rodrigues da Córdoba.
Foi feito um minucioso levantamento do
Continente de São Pedro. Na Carta Geográfica, resultado do Censo, “[...] vêm
representados os limites dos domínios de quatro províncias: Rio Grande, Viamão,
Rio Pardo e Vacaria, ou Cima da Serra.” (BORGES FORTES, 1940, p.114) No
Continente havia então apenas 13 freguesias, o que revela a importância de
Vacaria, que já havia sido contemplada com uma delas. Graças ao Censo, é possível
conhecer a situação da população regional.
TABELA
Nº 2
POPULAÇÃO DAS FREGUESIAS DO RS -
1780
Freguesias
|
Brancos
|
Indios
|
Pretos
|
Ttotal
|
Madre
de Deus
|
871
|
96
|
545
|
1512
|
Rio
Grande
|
1643
|
182
|
596
|
2421
|
Estreito
|
880
|
97
|
277
|
1254
|
Mostradas
|
360
|
40
|
191
|
591
|
Viamão
|
1028
|
114
|
749
|
1891
|
Santo
Antônio
|
628
|
91
|
270
|
1189
|
Conceição
do Arroio
|
234
|
25
|
158
|
417
|
Aldeia
dos Anjos
|
210
|
1890
|
255
|
2355
|
Vacaria
|
291
|
32
|
248
|
571
|
Triunfo
|
637
|
0,00
|
640
|
1277
|
Taquari
|
580
|
0,00
|
109
|
689
|
Santo
Amaro
|
512
|
0,00
|
208
|
720
|
Rio
Pardo
|
1317
|
438
|
619
|
2374
|
Cachoeira
|
42
|
383
|
237
|
652
|
Total
|
9.
433 - 52%
|
3.388 - 18,90%
|
5.102 - 28,46%
|
17.923
|
Fonte:
LAYTANO, 1954, p. 9
È possível constatar que, apesar das
fugas dos portugueses ocasionadas pela invasão espanhola, houve um aumento
considerável da população. Se alguns deixaram a região, muitos a buscaram. Em
1776 havia 77 habitantes registrados; já, em 1780 havia 571 habitantes. Desse
total, 291 (50,96%) eram brancos, e 248
(43,43%) eram negros e 32 (5,60%%) índios. A população escrava de
Vacaria era percentualmente mais elevada do que a de Rio Grande, onde estavam
localizadas as charqueadas, e onde representavam pouco mais de 20% do total da
população.
A presença de nativos correspondendo a
18,90% do total da população na maioria das freguesias constitui dado
importante. Na Aldeia dos Anjos (atual Gravataí),
a população indígena representava 80% da população. O Continente de São Pedro
apresentava uma população de 17.923 habitantes. Os brancos correspondiam a 52
%, os índios a 18,93 % e os escravos a 28,23%. Na freguesia de Triunfo mais 50 %
de seus habitantes eram escravos.
Nos Campos de Cima da Serra (sem a divisão
dos atuais municípios) havia 52 fogos[1],
pertencentes a 52 proprietários. O maior dos proprietários era então o Capitão
Pedro da Silva Chaves, proprietário de fazendas que ocupavam uma área de treze
por oito léguas. Sua propriedade ocupava 104 léguas em quadro, ou 42
quilômetros quadrados de terras privadas. Os fogos, em 1766 eram 18, o que
significa que triplicaram em 1780.
Em 1780, essas propriedades
ocupavam uma área total de cerca de 70 léguas e meia de
comprimento por 34 léguas de largura. As fazendas ocupavam 2.224 léguas em
quadro, as sesmarias, ou seja, 800 mil hectares.
Nas propriedades localizadas
na região do Planalto eram criados em média três animais por hectare. Assim, as
sesmarias poderiam ter um rebanho de até 328.000 cabeças. Em média, como cada
propriedade tinha uma área de 18.940 hectares, podia comportar rebanho de
63.134 cabeças. Era muita terra e muito
gado. Os 52 proprietários tinham terra suficiente para plantar alimentos e
alimentar mais de 10.000 famílias.
Cinco anos depois, em 1785, o número de fogos era de
59. Os fogos aumentaram
em cerca de 10%, enquanto a população aumentou em 40%. O que significa que
aumentou o número de escravos, bem mais do que o dos proprietários das terras.
Os
dados dos Registros de Batismos da Paróquia de Nossa Senhora de Oliveira de
Vacaria, no período compreendido entre 1786 e 1800, fornecem dados
interessantes sobre a população regional:
TABELA
Nº 3
PROPRIETÁRIOS DE ESCRAVOS VACARIA
1786-1800
Proprietários
|
Escravos
|
Proprietários
|
Escravos
|
Ana
Joaquina Gonçalves
|
1
|
Francisco
Antonio
|
1
|
Ana
Maria. Dona
|
7
|
Ignácia
Joaquina Andrade. Dona
|
1
|
Ana
Padilha. Dona
|
1
|
Inácio
de Souza Reis
|
1
|
Ana
Rodrigues de Attaide
|
1
|
Januário
Correia de Almeida
|
1
|
Anastácio
Gonçalves de Araújo Te
|
2
|
João
Antonio Cardoso
|
2
|
Angelo
Correia de Morais
|
12
|
João da
Costa Varella Tentcor
|
13
|
Antonio
Gonçalves de Araújo
|
1
|
João
Fagundes de Souza
|
2
|
Antonio
Joaquim Córdova
|
4
|
João
José de Barros
|
1
|
Antonio
José de Barros
|
1
|
João
Rodrigues de Siqueira
|
6
|
Antonio
Manoel Gonçalves Vieira
|
2
|
João
Soares
|
1
|
Antonio
Manoel Velho
|
2
|
Joaquim
José de Canto e Melo
|
1
|
Antonio
Pereira Lara Capitão
|
1
|
Joaquina
Maria
|
3
|
Antonio
Telles de Souza
|
3
|
José
Antonio dos Santos
|
6
|
Bernardo
José Paim
|
1
|
José B.
de Souza
|
1
|
Boaventura
Soares de Barros
|
6
|
José J.
de Barros
|
11
|
Catarina
da Silva Pinheiro
|
3
|
José
Joaquim
|
2
|
Clara
Leite
|
1
|
José
Machado
|
1
|
Constantino
de Souza e Oliveira
|
2
|
José
Pedroso de Morais
|
1
|
Domingos
Manoel de Paula Alferes
|
1
|
José
Ribeiro
|
1
|
Francisca
Hermenegilda Maria dos SantAnjos
|
1
|
José
Rodrigues
|
1
|
Francisco
Borges do Amaral Vier
|
7
|
Manoel de
Souza Duarte
|
3
|
Cap.Francisco M. de Paula e Silva
|
2
|
||
Total
|
61
|
57
|
Fonte: Livro de Batismos da Paróquia de Nossa
Senhora das Oliveiras de Vacaria 1786-1800
Entre 1786 e 1800, foram 43
proprietários que levaram ao batismo 121 filhos de escravas, o que corresponde
a três escravos, em média, para cada dono. Nem todos os senhores registraram o
batismo de seus escravos em Vacaria, alguns mandaram batizá-los em outros
lugares, ou simplesmente não os batizavam.
Em 1777, os espanhóis haviam sido
expulsos dos campos de Vacaria. No ano seguinte o governo português organizou um
Corpo de Cavalaria Auxiliar para a defesa da população e das terras do Império.
Os militares da companhia foram fundamentais para o povoamento regional.
TABELA Nº 4
COMPANHIA DE CAVALARIA AUXILIAR
DO DISTRITO DE VACARIA - 1778
Posto
|
Nome
|
local
|
idade
|
Capitão
|
Joaquim J. Pereira
|
São Paulo
|
54
|
Tenente
|
Apolinário de Almeida Roriz
|
Lisboa
|
39
|
Furriel
|
Cipriano da Costa Monteiro
|
Santos
|
36
|
Cabos
|
Felipe da Maia
|
Curitiba
|
30
|
João Roriz Betim
|
São Paulo
|
35
|
|
Manoel
Rodrigues de Jesus
|
Laguna
|
42
|
|
Julio da Costa Ribeiro
|
Taubaté
|
55
|
|
Soldados
|
Ignácio Manoel Leite
|
Parnaíba
|
31
|
José de Sá e Almeida
|
Curitiba
|
21
|
|
José da Ley
|
Curitiba
|
50
|
|
José Castro Pereira
|
Jundiaí
|
20
|
|
José Pereira da Silva
|
Parati
|
28
|
|
João de Oliveira
|
Curitiba
|
33
|
|
Alexandre Gomes
|
Paranaguá
|
40
|
|
Manoel Gonçalves Carvalhaes
|
Vila Rica
|
32
|
|
Salvador Alves da Cruza
|
Laguna
|
39
|
|
Leandro da Silva Soares
|
Braga
|
60
|
|
Ventura José Rezende
|
Porto
|
42
|
|
João Pereira dos Santos
|
Curitiba
|
36
|
|
João Rodrigues de Siqueira
|
Parnaíba
|
62
|
|
Baltazar Gomes de Escobar Godoy
|
Parnaíba
|
56
|
|
Manoel de Cândia
|
Curitiba
|
18
|
|
José Alves da Silva
|
São Paulo
|
54
|
|
Joaquim Antonio de Oliveira
|
Sorocaba
|
30
|
|
Narciso de Moura
|
Laguna
|
16
|
|
Antonio Borges Vieira
|
Laguna
|
14
|
|
Ignácio Pais de Siqueira
|
São Paulo
|
38
|
|
Vitor Antonio de Arruda
|
Itu
|
25
|
|
Luiz Antonio Da Rocha
|
Braga
|
62
|
|
José Domingues
|
Braga
|
44
|
|
José Gracia de Vasconcelos
|
Rio de Janeiro
|
22
|
|
José de Campos Badenburgo
|
Itu
|
10
|
|
Francisco Rodrigues de Jesus
|
Laguna
|
27
|
|
Pedro Barros Leite
|
Itu
|
49
|
|
Manoel Ribeiro da Silva
|
Viamão
|
19
|
|
Antônio Ribeiro da Silva
|
Viamão
|
17
|
|
João Ribeiro da Silva
|
Viamão
|
14
|
|
Felix Soares
|
Viamão
|
18
|
|
Salvador Rodrigues Penteado
|
Santo Amaro
|
30
|
|
José Pereira dos Santos
|
Braga
|
28
|
|
Pascoal Vieira da Rosa
|
São Miguel Açor.
|
40
|
|
Mateus José Da Silva
|
I. Santa Catarina
|
22
|
|
Antonio da Ponte
|
Ilha da Madeira
|
20
|
|
Francisco de Cândia
|
Curitiba
|
19
|
|
Francisco Manoel de Abreu
|
I. Santa Catarina
|
22
|
|
Luciano de Oliveira
|
Viamão
|
20
|
|
Francisco Garcia
|
Curitiba
|
14
|
|
Antonio Pompeu
|
Itu
|
25
|
|
Tomé Rodrigues
|
Curitiba
|
32
|
|
Manoel Rodrigues Filho
|
Curitiba
|
18
|
|
Joaquim Filho
|
Curitiba
|
16
|
|
João Rodrigues
|
Curitiba
|
25
|
|
Joaquim Borges
|
Porto
|
26
|
Fonte: Oliveira, 1996, p. 31-32.
A Companhia era composta de cinquenta e três militares,
muitos dos quais permaneceram em Vacaria. Alguns receberam terras como
concessão real e outros por meio de dotes de casamento de suas noivas. A análise
dos militares, tanto em sua origem como em sua idade, fornece dados
interessantes sobre a origem dos povoadores da região.
TABELA
Nº 5
ORIGEM DOS SOLDADOS DA COMPANHIA
DE CAVALARIA AUXILIAR DO VACARIA
Local de origem
|
Nº
|
%
|
São Paulo
|
12
|
27,90
|
Curitiba
|
11
|
25,58
|
Santa Catarina
|
7
|
16,27
|
Portugal
|
6
|
13,95
|
Viamão
|
5
|
11,62
|
Açores
|
1
|
2,3
|
Vila Rica
|
1
|
2,3
|
Fonte: OLIVEIRA, 1996, p. 31-32.
Nada menos de 53% dos militares da Companhia
eram naturais de São Paulo, lembrando que Curitiba pertencia àquela Capitania. Do
total dos soldados da Companhia, 16% eram provenientes de Santa Catarina, ou
seja, lagunenses, 13% eram portugueses e 11% de Viamão. Observa-se que mais de
48% do total de militares tinham de 20 a 30 anos de idade, o que significa que estavam
em idade de casar. Ao passar algum tempo em Vacaria, conheceram jovens com as
quais contrataram casamento e, após, casaram. Era costume entre os
proprietários dotar as noivas com grandes porções de terra. O casamento,
algumas vezes desigual, era facilitado, ainda que o número de mulheres fosse inferior
ao dos homens.
Na Colônia no
século XVI e, sobretudo com, o desequilíbrio demográfico entre os sexos
regulava o mercado matrimonial. Com base nas fontes inquisitórias estimou-se
que prevalecia no conjunto do Brasil a relação entre homens e mulheres seria da
ordem de 2,8%. (MELLO, 2009, p. 92)
Ou seja, havia 2,8 homens para cada
jovem casadoira. Era fácil para os pais das jovens encontrarem maridos entre os
recém-chegados. O número das mulheres que não encontrava marido era pequeno. As
mulheres solteiras eram discriminadas, sendo sinônimo de mulher sem tutela, fêmea
marginal; em outras palavras, prostituta. (MELLO, 2009, p. 89) Para os jovens
sem fortuna, o casamento com as filhas dos grandes senhores constituía um modo
rápido e certo de ascensão social, independente de seus sentimentos.
O dote das filhas dos fazendeiros era a
terra que, pelo casamento, era concedida pelos pais da noiva aos noivos. Há
inúmeros exemplos dessa prática. Ana, filha
de Antônio Gonçalves Padilha, ao casar com Manoel Francisco Pires, este recebeu
como seu marido o dote de um campo com
uma légua por um quarto de légua, em Cambará.
Os senhores dos campos preferiam os casamentos
endogâmicos. Esses eram comuns na região, na família importava mais a propriedade
das terras do que a vontade dos noivos. O casamento, em geral, era um negócio
que visava garantir a manutenção da riqueza dentro do grupo familiar.
O casamento entre parentes, próximos ou
distantes (até 2° e 3° grau) então era muito usual. Uma das grandes
proprietárias de terras de Vacaria, Reginalda Pedroso de Moraes Velho, casou-se
com Manoel Antonio Velho, seu primo irmão pelo lado materno, não sendo este um caso isolado. Há inúmeros exemplos, nos
registros de casamento, que precisaram de dispensa episcopal pelo parentesco próximo
existente entre os noivos.
Também, para preservar a propriedade, raras
vezes os filhos de escravas tidos com seus senhores eram reconhecidos. Não foi o
caso do irmão de Boaventura Pacheco, o Capitão Narciso José Pacheco, que teve
um filho com uma escrava, chamado José de Freitas Noronha. Com a morte de
Narciso, seu pai, Manoel Machado Pacheco, reconheceu o neto. Por isso este
recebeu como herança uma parte da fazenda. Assim, Noronha tornou-se o primeiro
descendente de escravo com propriedade na região. Outro caso é o de José Dutra,
casado com sua sobrinha, Maria José de Souza, morador na fazenda Bom Retiro do
Capão Grande, que, ao morrer sem descendentes, em testamento deixou para cinco de
seus escravos alguns campos. (ALVES, 2010, p. 55)
Em 1880,
em Vacaria, aconteceu outro
caso. Inocêncio
Lopes de Souza, casado, em testamento informou que Ignez, solteira, a qual
vivera em sua companhia, deu à luz a um filho seu chamado Claro. Inocêncio o reconhece como filho e herdeiro
universal (sendo pelo lado paterno adulterino). Tal escolha se deve ao fato de que
sua mulher legítima não teve filhos. No mesmo documento declarou ainda que os
libertos Raimundo e Eva deveriam receber metade do rincão denominado Da Vigia,
situado ao lado da Tapera do Pardo.
Pelos registros de batismos de escravos
é possível avaliar a riqueza dos grupos familiares garantidos pelos casamentos
entre parentes. Os Borges são os que têm mais registros de batizados de escravos,
107; os Vieira, com 65 registros; os Jesus, com 27 registros; os Velho, com 20
registros; e os Paim, com 13 registros.
Entre as centenas de proprietários de
escravos que aparecem nos registros de batismo de escravos estão os Rodrigues e
os Branco, cuja presença nos Campos data do século XVIII. O Coronel Libório Antônio Rodrigues e Luis
Augusto Branco possuíam terras no atual município de Ipê, no final do século
XIX.
O Cel. Libório comprou a fazenda Estrela,
com 300 milhões de campos, coberta por vastos pinheirais na região do rio
Pelotas, por 110 contos de réis, de seu compadre Laureano José Ramos,
proprietário por herança de seu falecido pai, Cel. Fidelis José Ramos. A Fazenda
era uma das maiores sesmarias de Vacaria, tendo seus limites “nos matos
particulares” que mais tarde deram origem a Ipê (fonte?). O Coronel Libório era
dono de escravos e chefe dos maragatos. Casou-se com Tertuliana, mulher riquíssima,
com a qual teve cinco filhos. Em Ipê, as linhas Rodrigues, Etelvina e Virgínia
são homenagens ao Coronel e a duas de suas filhas.
Em 1770, as terras doadas em sesmaria pelo
Conde de Bobadella a José de Campos Badenburg recebeu o nome de Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro. Muitos anos
depois, Luis Augusto Branco foi nomeado o
primeiro professor público de Vacaria. Nasceu no Maranhão, filho de Luís de
Medeiros Branco e de Ana Joaquina de Medeiros. Quando foi criada a 1ª escola
pública municipal, em 30 de agosto de 1847, funcionou numa das salas
da mansão de seu sogro, José Luiz Teixeira (mais tarde Casa de Saúde Dr. Elias
Saadi), ambos herdeiros de José de Campos de Badenburg, portanto, da
Fazenda do Socorro.
Em 1851, Luis Augusto Branco casou-se com
Virgolina Maria Teixeira, filha de Rosa Borges Vieira e do Cel. José Luis
Teixeira (1810-1870), natural de Cachoeira, e que foi comandante da Guarda
Nacional do distrito de Vacaria. Luis Augusto teve vários escravos registrados
em batismo, entre eles gêmeas nascidas em 1883, filhas de sua escrava Margarida,
que dois anos mais tarde teve outra filha batizada. Tornou-se proprietário de
terras, algumas das quais tomou como posseiro, nas quais mais tarde surgiu,
pelo povoamento, o município de Ipê. Era comum entre os senhores de terras se
apossarem de terras, devolutas ou não.
Na região havia outros senhores que tomaram posse
de terras interessados na riqueza dos matos, entre eles: Altino de Lima, J.
Paim de Andrade, Firmino da Rosa, Olavo Lacerda e Oliveiro
Camargo (Segredo
e São Paulino). Muitas das terras foram vendidas por
José das Neves, um dos herdeiros da família do Coronel Virgílio Rodrigues,
proprietário da Fazenda da Estrela. Outros as compraram de Cícero D’ Àvila,
responsável pelo assentamento de muitas famílias de imigrantes italianos que
chegam a Formigueiro, a partir de 1880.
Formigueiro, povoado por escravos,
posseiros e imigrantes italianos que compraram terras, é a síntese do povoamento
do Rio Grande do Sul, povoado por muitos povos, vindos de muitos lugares
distantes.
Quando, em 11 de fevereiro de 1899, o município
de Antônio Prado foi desmembrado de Vacaria, o número de italianos que chegam
àquele município aumentou. Parece ter sido o ano de 1900 o da chegada de
italianos em Vacaria. Entre eles, podem ser citados José Gasparetto, Samuel Guazzelli,
Orestes Broglio, Francisco
Guerra, Dante Mondadori,
Atilio Giuriolo, João
Palombini, Constante Gualdi, Eugenio Adami, Germano Dotti, Camilo
Marcantonio, Luiz Marcantonio,
Atilio Marcantonio, Pedro
Grazziotin, José Bolsoni,
José Bedin, Antonio
Citton, Antonio Scotti,
Boschi, Demétrio Gualdi,
Mario Zambelli, Carlos Zachera, Fernando Anelo.
OS
DONOS DO TRABALHO
Se o campo é de pastagem comum,
o correto é pastar em comum.
Cícero
Assim, na medida em que as terras se
recortavam à imposição dos novos donos, diminuía a propriedade comum do gaúcho.
As encomiendas ou sesmarias transformaram-se em
instrumentos da política imperialista da Metrópole, pois, além de incluírem o trabalho
servil do índio, eram, também, motivo de contrato feudal entre o agraciado e o
benfeitor ou a subordinação tácita, deste ao Rei. (ORNELAS , 1948, p. 51)
Por último, porém, não menos importante,
é a situação dos escravos em Vacaria. No século XVIII é necessário destacar seu
número elevado em relação ao total da população, nada menos que 43,43% do total
dos habitantes da freguesia de Vacaria. Outro dado importante é o elevado
número de batizados. Destaca-se que nem todos os seus proprietários batizavam as
crianças nascidas nas senzalas, como já explicado, senão o seu número seria
muito mais elevado. No Império jesuítico não viviam apenas índios guaranis e
jesuítas, também era importante a presença de escravos africanos. Assim, os
negros entraram em território gaúcho antes mesmo dos conquistadores lusos.
É nas atividades
ordinárias das missões jesuíticas que vamos surpreender, em termos pacíficos, a
mais ativa conformidade com o instituto da escravidão. Apesar das condenações formais,
das frementes campanhas, junto à Metrópole e aos prepostos, pela liberdade do índio,
os jesuítas, cedendo à pressão de suas próprias urgências, acabariam
capitulando. Ei-los então, “como toda gente”, a admitirem desembaraçadamente o
trabalho escravo, tal como exigiam os interesses vitais de todos, e foi assim
que passaram a usá-lo sem a menor reserva, para escândalo de muita gente e
reparos dos mais severos de alguns irmãos de hábito não afeitos ao espetáculo
da escravidão”.
(VELHINHO,
2005, p. 63)
No
dizer de Velhinho: “Hoje, o regime da escravidão nos revolta até a medula, mas
naqueles primeiros séculos da vida colonial ninguém discutia sua legitimidade.
Nem mesmo os jesuítas.” (VELHINHO, 2005, p.
63). O uso da escravidão pelos jesuítas era regra geral, não apenas para o Rio
Grande do Sul. Observa o autor que no Colégio da Bahia havia setenta escravos
negros e os jesuítas tinham licença para carregar três navios negreiros por ano
para abastecer os conventos da mão de obra- escrava. ( VELHINHO, 2005, p. 64)
Em
1821, quando Saint Hilaire passou pelas Missões destruídas, anotou que no local
havia presença numerosa de africanos, que descendiam dos escravos dos jesuítas
após sua expulsão. A presença africana, por outro lado, revelada
no número de escravos usados na criação de gado, aumenta na medida em que o
número de sesmarias também vai crescendo.
TABELA Nº 6
PROPRIETÁRIOS E ESCRAVOS 1786-1886
ANOS
|
PROPRIETÁRIOSOS
|
ESCRAVOS
|
MÉDIA
|
1786-1800
|
47
|
109
|
2,3
|
1801-1823
|
69
|
170
|
2.4
|
1872-1886
|
126
|
244
|
1.93
|
Total
|
242
|
523
|
2,16
|
Fonte: Livros de batismos de Vacaria 1776-1889
Os
escravos estão presentes nos registros de propriedade, nos inventários, nas
cartas de alforria, nos registros de batismo e de casamento. Os casamentos entre
escravos, entre escravos e alforriados ou livres são numerosos no século XVIII,
e se tornam raros no decorrer do século XIX.
Os casamentos de escravos nunca foram estimulados, seu número diminui do
século XVIII para o XIX.
Alguns
registros da segunda metade do século XIX revelam que alguns senhores permitiam
o casamento entre seus escravos. Por exemplo, em 1859 Dona Cândida Amaral da
Silva permitiu que se casassem seus escravos Antônio e Joana, e ainda Felipe e Maria.
Outro senhor que permitiu casamento de escravos, em 1859, foi José Custódio de
Camargo, o de João e Maria Leite, Joaquim Leite e Inês, e o de José e Maria,
todos naturais da Vila de Fachina. Os
dois primeiros casais já tinham sobrenome, fato raríssimo entre escravos. Há
poucos casos em que uma escrava casa com um homem livre, de acordo com os
registros:
Registro
23 - Aos 12 dias do mês de Março de 1790, nesta freguesia de Nossa Senhora de Oliveira de Vacaria, o inocente
José Antônio filho legitimo de Antonio de Souza, crioulo livre e de Gertrudes
escrava do capitão Francisco José Pereira; foram padrinhos José Padeiro, batizei
em casa sobconditio por pouco
conceito do batizante, para constar foi esse
escrito só por mim assinado Vigário Ignácio Alves Machado.
O
Padre Ignácio Alves Machado foi Vigário de Vacaria de 1789 a 1797. Era dono da
fazenda Santa Bárbara e de outras propriedades em São Francisco de Paula, lugar
para onde retorna mais tarde. O vigário tinha vários escravos, que foram
batizados por ele ou por outros párocos, conforme os exemplos que seguem:
Registro nº 69 - Aos 9 dias de setembro de 1788 batizei
e pus os santos óleos a Simão, filho
legitimo de José e Tomasia; foram padrinhos Antônio e Catarina escravos do
reverendo Ignácio. Para constar fiz o assento. Vigário Francisco dos Santos.
Registro nº 65 -
Aos 15 dias de Agosto de 1797 nesta capela de São Francisco de Paula da freguesia
da Vacaria com licença do senhor vigário batizei e pus os santos óleos a
Paulino, inocente filho legitimo de Antônio e
Mariana escravos do Padre Ignácio;
foram padrinhos Domenico e Maria também escravos daquela casa. para constar fiz
o assento. P. Ignácio Alves Machado.
Outros
senhores de escravos foram Ângelo Correia de Morais, Manoel de Barros Pereira,
Antônio Velho e Inácio Leite. Através dos registros de escravos batizados em
São Francisco de Paula entre 1789 e 1881, constatou-se que houve 334 batizados. As mães dos batizandos eram escravas do mesmo
proprietário que o do seu filho, o que significa que havia no mínimo 668
escravos no período, nas fazendas dos Campos. Os registros revelam que as
crianças escravas em geral eram filhos naturais, o que corresponde a cerca de
70% do total. Constatou-se que era igual o número de meninos e de meninas
batizados.
Os padrinhos constantes nos registros em sua a
maioria eram brancos e livres (71,77 %), seguidos pelos escravos (22,35%),
sendo que pouco forros eram escolhidos para padrinhos (5,88%). Em geral
padrinhos e escravos pertenciam ao mesmo dono. Assim, é possível que o número
de escravos se elevasse a 1.368, considerando apenas os batizados. Como o número
de proprietários que possuíam mais de um escravo batizado era de 46, é possível
calcular o número de escravos por fazenda, que, em média, por ano, era de no
mínimo de nove escravos. Entre os muitos
registros analisados houve apenas um caso de libertação pelo batismo e de apenas
uma das mães escravas que tinham fugido.
Um dos registros mais interessantes do livro de batismos de Vacaria é de
um escravo branco:
Registro
14 - Aos 26 dias do mês de janeiro de 1873
na Matriz de N. Sra de Conceição
de Oliveira de Vacaria batizei solenemente
e pus os santos óleos ao inocente
Marcos branco, nascido 28 de novembro de
1872; filho natural de Justina escrava
de Tristão Gonçalves de Araújo e de sua mulher Maria Benvinda de Oliveira; foram
padrinhos Manoel Maria da Fonseca Bello
e dona Maria Boeira da Fonseca que para constar fiz o assento, que assinei Vigário Padre Nicolau Maria
Berardi.
No
período compreendido entre 1801 e 1870, no território gaúcho, o crescimento natural
da população escrava que era de cerca de 1% ao ano. No mesmo período, calcula-se
que tenham entrado cerca de 70 mil escravos na província, chegando a um total
de 99 mil em 1870. A partir de então os números tendem a se reduzir. Assim, o
número de escravos varia de 70 a 100 mil escravos.
As cartas de alforria da região de Vacaria foram
89, de 1884 a 1888. Essas obrigavam a 43% dos escravos liberados trabalharem
por mais 7 anos (279); outros, por menos anos. Escravos livres sem qualquer
condição correspondiam a apenas 6,9% do total. Em 1884, em Vacaria o número de
escravos deveria ser de mais de 250 escravos. Observa-se que a pretensa
abolição gaúcha de 1884 não existiu na prática. Senão, não haveria necessidade
de alforrias. (BARROSO, 1992, p. 278)
Os
registros de batismos e de casamento também foram usados como formas de
registrar, de reconhecer e de dar nome a escravos, pois neles seu nome aparece
ligado ao de seu proprietário. Os exemplos a seguir são paradigmáticos:
Registro 200 - Aos
20 dias do mês dezembro de 1816 na freguesia de N.Sra de Oliveira de
Vacaria batizei e pus os santos óleos a Camilo, filho
legitimo de Miguel e Joana escravos de Boaventura Soares de Barros, o qual na
ação de batizar pediu e rogou-me que tomasse o inocente Camilo por escravo de
Boaventura Padilha a quem dava de sua livre vontade e para dar mais verdade
assinou de que para constar fiz o assento, que assinei Vigário Marcelino
Carvalho da Motta.
Registro
257 - Aos 8 dias do mês de setembro de 1822
na capela de São Francisco de Paula
da freguesia de N.Sra de Oliveira de Vacaria batizei
e pus os santos óleos a Justiniano, nascido a 15 de Junho do dito, filho natural de Joaquina escrava de Manoel de
Souza Duarte a qual vendeu essa inocente
na ação de batizar a sua filha Inácia Rodrigues, por doze mil e oitocentos réis
nesse caso a vendi como escrava; foram padrinhos Manoel e Ana escravos de
Antonio Telles de Souza que para constar fiz o assento, que assinei Vigário Marcelino Carvalho da
Motta.
Entre 1786 e 1812 foram batizados 210 escravos em Vacaria, segundo
os dados que seguem .
TABELA Nº 7
ESCRAVOS BATIZADOS – VACARIA (1786-1800)
Ano
|
SITUAÇÃO
CIVIL
|
SEXO
|
|||
Naturais
|
Legítimos
|
Masculino
|
Feminino
|
Total
|
|
1786
|
5
|
2
|
7
|
0
|
7
|
1787
|
2
|
1
|
3
|
0
|
3
|
1789
|
3
|
0
|
1
|
2
|
3
|
1790
|
4
|
5
|
7
|
2
|
9
|
1791
|
6
|
1
|
3
|
4
|
7
|
1792
|
3
|
2
|
1
|
4
|
5
|
1793
|
2
|
1
|
1
|
2
|
3
|
1794
|
5
|
6
|
4
|
7
|
11
|
1795
|
2
|
1
|
1
|
2
|
3
|
1796
|
1
|
2
|
1
|
2
|
3
|
1797
|
5
|
3
|
7
|
1
|
8
|
1798
|
2
|
4
|
4
|
3
|
6
|
1799
|
1
|
0
|
0
|
1
|
1
|
1801
|
6
|
8
|
6
|
8
|
14
|
1800
|
6
|
8
|
6
|
8
|
14
|
1802
|
4
|
2
|
5
|
4
|
6
|
1803
|
2
|
3
|
1
|
1
|
5
|
1804
|
1
|
0
|
6
|
1
|
1
|
1805
|
1
|
0
|
2
|
0
|
6
|
1806
|
0
|
2
|
1
|
1
|
2
|
1808
|
3
|
1
|
4
|
2
|
1
|
1809
|
0
|
2
|
2
|
0
|
4
|
1810
|
1
|
7
|
8
|
3
|
2
|
1811
|
0
|
1
|
1
|
0
|
8
|
1812
|
13
|
27
|
50
|
20
|
1
|
total
|
31
|
89
|
132
|
78
|
210
|
Fonte: Livro de batismos da paróquia de
N.Sra da Oliveira de
Vacaria
1786-1823
A Tabela 7 revela a condição geral dos escravos batizados entre 1776 a
1812, sendo que 25,83% eram filhos de pais casados. Já, 74,16% eram filhos
naturais, ou seja, só da sua mãe escrava. Dos 210 escravos batizados, 37,14%
eram do sexo feminino e 62,85% do sexo masculino.
Os
casamentos entre escravos se reduzem de forma significativa ao longo da segunda
metade do século XIX. Ocorrem vários casamentos entre forros e escravos e entre
libertos e escravos. Raramente casam-se escravos de um dono com escravos de
outros donos. Entre livres e escravos há um número significativo de filhos naturais,
de escravas com brancos livres. Tais dados revelam certa liberdade sexual, ao
mesmo tempo em que revelam o estigma da mulher, pois só ela tem em registro
filhos naturais. A paternidade está isenta desta pecha. Ou seja, a culpada é
sempre a mulher que pare e não o homem que gera.
OS SENHORES DO PRÓPRIO TRABALHO
A raça humana não pode prosperar
enquanto
não aprender que há
tanta dignidade
em cultivar campos quanto em escrever um poema.
Booker Washington
Os
imigrantes italianos se instalaram nas colônias imperiais a partir de 1875: Caxias,
Conde d’Eu e Dona Isabel, e partir de 1885, na de Antônio Prado. No Brasil,
eles passaram a ter mais filhos. Por ocasião da chegada ao Brasil a média de
filhos por família era de 2 a 3, mas logo o número de filhos duplicou ou
triplicou. O maior número de filhos se deve menos à religião do que às terras
compradas. Quanto mais terras os colonos possuíssem, mais braços punham no mundo
para trabalhar. Os filhos tornaram-se uma forma de sobrevivência, não só da
espécie, como da propriedade.
Não
demorou muito para que novas terras fossem buscadas pela pressão do crescimento
dos filhos. O Paese Novo, hoje Antônio Prado, começou a receber imigrantes em 1885
e em pouco tempo os lotes postos à venda foram todos adquiridos. O
lugar chamado de Matos Particulares (hoje Ipê) logo começou a ser procurado. Os
casebres erguidos por antigos escravos deram novo nome ao lugar, que passou a
ser conhecido como Formigueiro. No local onde hoje funciona a Escola Estadual
Frei Casemiro Zaffonato, existiam mais de 10 choupanas, onde viviam agregados
dos fazendeiros donos dos Matos Particulares.
Novos
moradores que aí se instalam, vão adquirindo lotes das terras. No ano de 1891
lá viviam lado a lado italianos e lusos de origem, muitos deles antigos
moradores de Vacaria. Casamentos se dão entre os dois grupos.
A localidade
cresce e muda de nome. Quando se tornou o 4º distrito de Vacaria, a localidade
foi chamada de São Luís do Formigueiro. Com a chegada dos imigrantes italianos,
após 1885, provenientes de Antônio Prado, e que compraram lotes de terra para
seus filhos, aumenta em muito o número de seus moradores.
Na região
havia outros senhores que tomaram terras, interessados na riqueza dos matos. Entre
eles: Altino de Lima, J. Paim de Andrade, Firmino da Rosa, Olavo Lacerda e Oliveiro
Camargo (Segredo
e São Paulino). Muitas das terras foram vendidas por
José das Neves, um dos herdeiros da família do Coronel Virgílio Rodrigues,
proprietário da Fazenda da Estrela. Outros compraram de Cícero D’ Àvila,
responsável pelo assentamento de muitas famílias de imigrantes italianos que
chegam ao Formigueiro, a partir de 1880.
Quando,
em 11 de fevereiro de 1899, o município de Antônio Prado foi desmembrado de
Vacaria, o número de italianos que chegam àquele município aumenta. Os primeiros imigrantes a
adquirirem terras de Libório Rodrigues foram João Pellin, Francisco Marcantônio
e Antônio Zanotto que, após diversos anos, formaram uma sociedade instalando
uma das primeiras serrarias do município. Na mesma época, os irmãos Nodari
também investem em uma serraria. As matas exerciam uma atração irresistível
sobre os donos de serrarias, que seguiam avante destruindo-as.
As colônias
eram vendidas por agentes de seu proprietário, o coronel Libório Rodrigues. A
medição dos lotes foi realizada por Francisco Marcantônio (França) e por João
Pellin (João Grande), responsável pelo traçado das primeiras ruas de Ipê. Logo chegam os imigrantes italianos
em busca de mais terras, entre eles os Bortolozzo, Scopel, Orssi, Pellin,
Migloretto, Pinotto e outros.
Em
1900, chegam outros italianos, alguns vindo de Vacaria, possuidores de lotes em
Formigueiro, entre eles: José Gasparetto, Samuel Guazzelli, Orestes Broglio,
Francisco Guerra, Dante Mondadori, Atilio Giuriolo, João Palombini, Constante
Gualdi, Eugenio Adami, Germano Dotti, Camilo Marcantonio, Luiz Marcantonio, Atilio
Marcantonio, Pedro Grazziotin, José Bolsoni, José Bedin, Antonio Citton, Antonio
Scotti, Boschi, Demétrio Gualdi, Mario Zambelli, Carlos Zachera, Fernando Anelo.
Muitos outros vieram de Antônio Prado.
A
região aos poucos foi sendo povoada, e, com o aumento da população, uma
paróquia se tornou necessária. A Capela de São Luís de Antônio fazia parte da
Paróquia Prado. Mas os moradores do Formigueiro, em 1935, resolveram pleitear uma
paróquia para a localidade. O Arcebispo D. João Becker aprovou a criação de uma
nova Paróquia. Em 10 de março de 1936, foi instalada a paróquia de São Luiz de
França, que fazia parte da Prelazia de Vacaria, deixando de pertencer à Paróquia
de Antônio Prado. Em 5 de abril de 1936 tomou posse o primeiro Vigário, Padre Frei Eduardo Totto.
POR FIM
Pela Lei Estadual nº 8.482, de 12
de dezembro de 1987, foi criado o município de Ipê, formado, como o Rio Grande
do Sul, por muitas etnias. Seu povoamento foi o mesmo do dos Campos de Cima da
Serra. Para completar seu povoamento vieram os imigrantes italianos vindos das colônias
imperiais, que trouxeram imigrantes alemães e de outras etnias que povoaram as plagas
gaúchas .
Índios, africanos e europeus lusos
e italianos contribuíram para sua formação. Hoje, passados mais de um século e
um quarto de seu povoamento, é possível perceber o amálgama de povos e culturas
de sua formação, guardando cada um deles suas peculiaridades, que, com o tempo,
se homogeneízam. Chegará o dia em que as diferenças serão apenas lembranças.
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